(Ou sobre como psicopatas se mantém no poder apesar de tudo)
Antônio Pedro de Souza
O cinema nos apresentou ao longo dos anos personagens intrigantes, com posturas, muitas vezes ilibada, mas que no íntimo eram capazes das maiores atrocidades. Norman Bates, Hannibal Lecter e até o espalhafatoso Leatherface foram capazes de exterminar suas vítimas com requintes de crueldade e sem, a princípio, despertar a menor sombra de dúvida sobre seus atos.
No filme que empresta o nome à coluna de hoje, o adolescente Kevin vive em um lar amoroso, com pais e irmã, mas aos poucos sua psicopatia se torna mais evidente. Mentiras, brincadeiras maldosas e atos obscenos são apenas a ponta do iceberg que culmina em um desfecho trágico: um massacre no colégio em que estuda.
Pois bem, deixando o Kevin cinematográfico de lado, precisamos – com urgência – falar sobre outro psicopata, este do mundo real e que, tal qual o protagonista de Precisamos Falar Sobre o Kevin ou dos demais filmes aqui citados, também se esconde sob a imagem de um “homem de bem”, “cidadão honesto”, “cristão”, entre outros adjetivos positivos, mas que na prática é capaz de atrocidades impensáveis.
O atual presidente da república, Jair Bolsonaro, mais uma vez dá mostras de sua incompetência para gerir um cargo de tamanha importância como o que ocupa. Ontem, 28 de abril de 2020, quando o Brasil lamentavelmente ultrapassou a China em número de mortos pela COVID-19 – estávamos com mais de trezentos mortos à frente – o presidente disse apenas: “E daí? Lamento, mas quer que eu faça o quê? Sou Messias, mas não faço milagres.” É um escárnio, uma afronta à população brasileira, seja eleitora ou não dele. Como presidente, o mínimo que ele deveria ter era uma postura respeitosa para com seu povo. São mais de cinco mil mortos. Mais de cinco mil famílias desfalcadas. Mais de cinco mil famílias em lutos. Mais de cinco mil histórias bruscamente interrompidas, e o presidente diz, apenas, “E daí?”.
É triste, é revoltante. Ao ligar o famoso “botão do foda-se”, o presidente vira as costas ao país e mostra-se, mais uma vez, despreparado para ocupar a cadeira principal do Governo. Nenhum país estava realmente preparado para enfrentar uma pandemia dessa magnitude, mas a postura frente à crise revela muito mais sobre os governantes, pois testa-os na hora em que sua população mais precisa de apoio, de amparo, de socorro.
Medidas acertadas e medidas erradas podem ser vistas em todas as partes, mas poucos países tiveram o azar de ter um crápula, um pulha no poder bem no momento em que a crise de saúde se intensificou. O Brasil foi, lamentavelmente, um desses poucos sorteados. Pior: o presidente se elegeu com o discurso de que não entendia nada de economia e, por isso, deixaria essa pauta nas mãos do ministro Paulo Guedes. Mas dá pitacos perigosos na cultura, educação, saúde (é só uma gripezinha) e justiça. Troca ministros quando vê sua megalomania ser ameaçada. Infelizmente, vai além dos psicopatas do cinema, pois já não tem receios em praticar sua canalhice à luz do dia. Mais um agravante: ainda tem seguidores que o apoiam incondicionalmente e riem das “piadinhas” do capitão. Aqui, temos dois caminhos e, infelizmente, nenhum deles é favorável:
Primeiro: As pessoas que seguem Bolsonaro sem se importar com os erros cometidos por ele realmente acreditam em sua conduta e inocência. Neste caso, são seres sem pensamento crítico, massa de manobra, usando um jargão comum: alienados. É como se houvesse tido uma “lavagem cerebral” nessa população que “não consegue enxergar” o quão inescrupuloso é o “líder” do país.
Segundo: As pessoas que seguem Bolsonaro são coniventes às ideias dele. E isso é pior ainda que a teoria da “lavagem cerebral”, pois externa um tipo de gente vil, cruel, que não consegue sentir empatia para com seus semelhantes. Ao contrário: ri da desgraça alheia em vez de sentir uma esperada compaixão pelos infortúnios que enfrentamos no momento.
Em ambos os casos, a situação é preocupante, pois seja pelos alienados ou pelos coniventes, Bolsonaro segue em sua posição confortável: no topo, mandando, desmandando, trocando ministros a seu bel-prazer sem se importar com opiniões divergentes. Segue intocado, pois sabe que ainda tem o apoio necessário para isso. E seguimos por aqui destroçados. Amedrontados. Enfrentando a letalidade de um vírus e as medidas inconsequentes de um presidente psicopata.
Precisamos falar sobre o Bolsonaro. Mais que isso: Precisamos indagar Bolsonaro. Mas já sabemos qual será a resposta dele e de seus seguidores para nossas aflições: um sonoro e lacônico: “E daí?”