Por que é um equívoco usar o termo “pós-terror?”

Termo criado em 2017 não faz sentido se observarmos a história do gênero e do próprio cinema
Antônio Pedro de Souza

Cunhado em 2017 pelo jornalista Steve Rose, o termo “pós-terror” tem dividido a opinião de críticos de cinema, bem como de profissionais da área cinematográfica. Isso porque não é tão fácil fazer a separação do que seria “terror” e “pós-terror”. Aliás, de acordo com muitos especialistas da área, essa separação não existe. O que existe, na verdade, são variações naturais dentro do gênero terror, bem como dentro de quaisquer outros gêneros cinematográficos.

Mas, não fugindo do clichê, façamos como nosso velho amigo Jack, o Estripador e “vamos por partes” pra entender melhor essa confusão criada em torno do termo.

Pra começar, “pós-terror” seria usado pra designar um “terror diferente” do que já foi feito. Mas, em que ponto o filme “pós-terror” seria diferente? Em que ele acrescentaria algo a mais no gênero? Aí, temos que voltar ao começo do cinema e entender, paralelamente, as mudanças ocorridas na indústria cinematográfica e as ocorridas dentro do terror.

17 - À Meia Noite Levarei Sua Alma
José Mojica Marins encarna o personagem Zé do Caixão em “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”

CRONOLOGIA…

A primeira exibição pública do cinema ocorreu em 1895, com um filme de cerca de 1 minuto de duração: “O Trem Chegando à Estação” que mostrava… Um trem chegando à estação! Em seguida, foram exibidas outras produções, incluindo “A Saída dos Trabalhadores da Fábrica” que mostrava… Bem, vários trabalhadores saindo de uma fábrica! Nascia assim o cinema: filmes pequenos que retratavam, basicamente, cenas cotidianas: pessoas regando o jardim, trabalhadores em seus postos de serviço, etc.

Embora não houvesse, ainda, a distinção de filmes por gênero, o curador do Cine Humberto Mauro, Bruno Hilário, brincou durante a abertura de uma maratona cinematográfica em 2017 que, como a primeira exibição de filmes do mundo causou espanto na plateia – relatos da época contam que os presentes fugiram assustados ao verem o trem vindo em sua direção na tela – podemos considerar que o gênero terror nasceu no mesmo dia em que o cinema: 28 de dezembro de 1895.

É claro que esse nascimento teve outros pontos que são alvos de estudo até hoje: as obras de Georges Méliès, o expressionismo alemão, entre outras produções ao longo dos primeiros anos de existência do cinema.

Na virada do século, surgiram as primeiras ficções e, posteriormente, essa divisão por gêneros. Aí temos, talvez, o primeiro ápice do terror: o já citado expressionismo alemão, com títulos icônicos como “Nosferatu”, “O Gabinete do Dr. Caligari”, entre outros. Mais alguns anos se passaram, o cinema ganhou som e passamos a ter uma “Era de Ouro” para monstros das mais variadas mitologias: vampiros, múmias, monstros do pântano, etc. O estúdio Universal inovou com o lançamento de vários filmes que, com o passar das décadas, receberam a alcunha de “Os Monstros da Universal”. Entre os títulos mais importantes estão “Drácula”, “Frankenstein” e a “Múmia”.

Há, neste período, algumas inovações tecnológicas importantes, como o já citado som, alguns testes com cores e até a inclusão do efeito 3D em algumas películas.

Na década de 1950, com o temor gerado por conflitos nucleares em potencial, os efeitos da detonação de artefatos atômicos, que incluíam deformidades e outros males, passaram a ser tema de filmes de terror e de ficção científica. É desse período, por exemplo, “O Mundo em Perigo”, sobre um grupo de formigas gigantes que devastam uma região.

Capa - O Bebê de Rosemary
Mia Farrow em cena de “O Bebê de Rosemary”

Nos anos 1960 e parte de 1970, o terror sofre uma “gourmetização”, pra usar outro termo bem popular hoje em dia. Na verdade, essa sofisticação do gênero não mudou sua essência em si, mas deu novas nuances e pontos de vista para o público. “Psicose”, de Alfred Hitchcock, “O Bebê de Rosemary”, de Roman Polanski, “O Exorcista”, de William Peter Blatty e “A Profecia”, de Richard Donner são exemplos dessas décadas. Os filmes retratam pessoas com boas condições financeiras ou boa posição social enfrentando conflitos psicológicos e/ou sobrenaturais. Geralmente filmados por cineastas mais renomados e com um elenco mais famoso, eram produções mais caras, mais refinadas. No caso de “Psicose”, temos um elemento interessante que é o assassinato da então protagonista na primeira metade da história e, a partir daí, quase um filme novo, centrado no misterioso e frágil Norman Bates. “O Bebê de Rosemary” mescla muito bem o terror psicológico com o terror sobrenatural. Jamais vemos o rosto do fruto do relacionamento entre a protagonista e o diabo, mas bastam as menções dos personagens para sentirmos pavor do enredo. Além disso, a paranoia crescente de Rosemary nos faz questionar o tempo todo se a mocinha está certa (e algo muito errado está acontecendo com seu marido e vizinhos) ou ela está apenas fora de seu juízo perfeito.

Em “O Exorcista” temos um confronto direto entre o bem, representado pelas autoridades da Igreja Católica, e o mal, encarnado numa pobre garota de 12 anos. O filme já assusta pelo contexto em que nos é apresentado: a garota, sem mais explicações, passa a ter o comportamento alterado drasticamente. A mãe tenta socorrê-la de todas as formas, levando-a a médicos, psicólogos, neurologistas… Até que a verdade vem à tona: ela está possuída por um demônio. Seria verdade ou apenas “sugestão”? O fato é que dois padres iniciam um longo e tortuoso ritual de exorcismo para salvar o corpo e a alma da menina. Paralelo a esse acontecimento sobrenatural sem explicação (isso mesmo, não sabemos o motivo de o diabo ter escolhido a pequena Regan), uma série de crimes começa a ser investigada por um detetive e todas as pistas levam até a casa onde Regan reside com a mãe.

Por fim, em “A Profecia”, temos outro exemplar do terror “de luxo”. Aqui, o próprio Anticristo é adotado por uma família de políticos. Tudo acontece quando o filho de um diplomata nasce, supostamente, morto e alguns membros da equipe médica o aconselham a levar para casa o outro menino, cuja mãe teria morrido no parto. Com o passar dos anos, estranhos incidentes passam a ocorrer quando o pequeno Damien está por perto.

Esses filmes de terror, embora mais “sofisticados” e feitos para um público mais exigente são exemplares perfeitos do bom e velho gênero terror com um ou outra demão de verniz.

Em meio à essas produções, temos “O Massacre da Serra Elétrica”, de Tobe Hooper, filmado em 1973 e lançado no ano seguinte, assumidamente como um “Filme B”: terror mais simples, de baixíssimo orçamento, com atores praticamente desconhecidos do grande público, filmado em condições desafiadoras para a própria equipe. Ironicamente, “O Massacre da Serra Elétrica” bebe da mesma fonte de “Psicose”: o caso do assassino em série Ed Gein, que também inspiraria, em 1990, “O Silêncio dos Inocentes”, filme mais sofisticado e que levou o Oscar!

Cinco anos se passaram entre o filme de Tobe Hooper e a criação de John Carpenter que, mais uma vez, revolucionaria o gênero terror, mas sem, claro, criar um “pós-terror”: “Halloween”, que serviu como base para as maiores criações da década seguinte. No longa estrelado por Jamie Lee Curtis, um menino mata a irmã a facadas numa noite de halloween e é internado em um manicômio judiciário. Quinze anos depois, ele foge e volta para sua cidade natal onde começa a perseguir Laurie Strode e suas amigas. Em seu encalço está o Dr. Samuel Loomis, que cuidava dele na clínica. O filme traz diversos elementos que se tornariam regras nas produções seguintes: muito sangue, a cena do “susto falso”: você acha que o personagem vai morrer, mas é apenas um gato passando e fazendo barulho, por exemplo. Aí, quando você se tranquiliza, o personagem é assassinado de maneira brutal, numa cena com trilha sonora alta e muitos, muitos gritos. Há ainda muita nudez, personagens mais jovens (estudantes do ensino médio, geralmente, embora interpretados por atores beirando os trinta anos) e uso de drogas lícitas e ilícitas.

12 - Lembranças do Inferno - Sexta-Feira 13 06
Kevin Bacon tem o pescoço perfurado em “Sexta-Feira 13”

Nessa linha, nos anos seguintes, temos “A Morte Convida Para Dançar”, “Sexta-Feira 13”, “A Hora do Pesadelo”, entre outros. Interessante é que o subgênero, chamado de “slasher”, inicia com filmes cujo assassino é humano, mas com o passar das continuações, adquire traços sobrenaturais, como o Michael Myers, de Halloween e o Jason, de Sexta-Feira 13. Freddy Krueger é uma exceção, já que começa o primeiro filme como assassino sobrenatural.

O sobrenatural inexplicável continua rolando solto nessa época, com filmes como “Christine – O carro Assassino” (1984), por exemplo. E o terror psicológico, como “Louca Obsessão” (1990). Em 1988, uma grata surpresa para os fãs: Era a estreia de Chucky, o famoso brinquedo assassino, nos cinemas. No longa escrito por Don Mancini e dirigido por Tom Holland, temos os elementos sobrenaturais, já que um assassino em série passa sua alma para um boneco e o terror psicológico, uma vez que o único que sabe que o boneco está vivo é Andy, um garoto de seis anos. Obviamente, ninguém acredita no menino quando ele diz que foi Chucky quem empurrou a babá da janela. Ou explodiu a casa de Eddie Caputo. Aos poucos, os adultos passam a suspeitar do próprio menino como o responsável pelos crimes, o que aumenta o terror da história.

A década de 1990 é, de certo modo, engraçada para o cinema de terror: na primeira metade temos mais sequências que produções originais: Sexta-Feira 13 chega à nona parte, A Hora do Pesadelo chega à sétima, Halloween à sexta e O Massacre da Serra Elétrica e Psicose chegam a quarta parte cada um. Mesmo Brinquedo Assassino, lançado em 1988, já tinha três partes em 1990!

Em 1996, Wes Craven, responsável pela criação de Freddy Krueger em 1984, lança “Pânico”, num roteiro co-escrito entre ele e Kevin Williamson. O filme, repleto de metalinguagem, explora as regras implantadas lá atrás pelos slasher movies e dosa momentos de terror e comédia, com o mais básico clichê: “Quem Matou?”, que prende o espectador na frente da tela até o fim dos créditos. Seguiram-se a Pânico, obras como “Lenda Urbana” e “Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado”.

O milênio vira e, em meio a mais uma leva de sequências e refilmagens, há nova mistura de terror psicológico e sobrenatural com a versão americana de “O Chamado”, e ainda “Os Outros”, “Sinais”, “O Sexto Sentido”, etc. O mesmo vale para os anos 2010, com a chegada dos ótimos “Invocação do Mal”, “A Bruxa”, “Corrente do Mal”, “Corra!”, entre outros.

E aí é que surge a grande dúvida: por que usar “pós-terror”?

O TAL “PÓS-TERROR”

Atos - O Bebê de RosemaryDe acordo com os defensores desse termo, “pós-terror” seria o filme de terror “elevado” ou que não se valeria de elementos comuns a outras produções para assustar o espectador: grito fácil, trilha alta, muito sangue, etc.

Certo, mas o termo “terror psicológico” já existe há tempos. E há até o gênero “Suspense”, focado mais naquela sensação crescente de que algo não está bem e que pode ficar rapidamente pior…

Na verdade, filmes como “A Bruxa”, “Corrente do Mal” e “Ao cair da noite”, este último que fez o jornalista criar o termo “pós-terror”, podem ter dado uma lufada de ar novo ao gênero, mas em geral, não criaram nada tão novo que justificasse o uso do referido termo.

Ora, “A Bruxa” é um baita terror sobrenatural. Sem cenas de gritos, correrias e sangue espalhado pela tela, mas ainda assim é um terror sobrenatural. Historicamente, podemos compará-lo a produções como “Drácula” e “Frankenstein”, onde os dramas pessoais dos personagens dominam a tela em maior tempo que o terror propriamente dito, mas que ao fim, o conjunto da obra nos entrega uma história genuinamente assustadora. Basta lembrar do encontro da criatura de Frankenstein com uma inocente garotinha à beira do lago: não há gritos, não há sangue jorrando… Mas é uma cena extremamente angustiante e, claro, assustadora.

“Invocação do Mal” (e seus inúmeros derivados) nos traz a clássica batalha entre o bem e o mal e ainda levanta, muitas vezes, a dúvida: o mal ali é real ou apenas um delírio coletivo daquela família. Olhando para trás, temos “O Exorcista”, “O Bebê de Rosemary” (que é reverenciado em algumas cenas de “Anabelle”) e até mesmo “A Profecia”.

Cena de A Bruxa
Cena de “A Bruxa”

De uma safra pós-2015 temos, por exemplo, “Ma”, que se assemelha a “Pânico”, “Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado” e os dois primeiros “Lenda Urbana”: uma assassina de carne e osso em busca de vingança por algo ocorrido no passado (vamos dar um alô pra “Carrie – A Estranha” aqui?). “A Morte Te Dá Parabéns” relembra traços de “Feitiço do Tempo” e, no segundo filme, até de “O Exterminador do Futuro”(!!!), enquanto “Verdade ou Desafio” e o “Corrente do Mal”, seguem a fórmula de “O Chamado”: passe a maldição adiante para se manter vivo!

Enfim, esses filmes não mudaram radicalmente o cinema de terror a ponto de criarem um novo conceito de cinema, um novo gênero por assim dizer. São apenas variantes de um cinema já existente e que se renova com o passar do tempo, bem como acontece com todos os outros gêneros.

Se, cronologicamente, não é conveniente chamar os filmes mais novos de “pós-terror”, ao separá-los por subcategorias, como fizemos no parágrafos acima, só percebemos o quanto “pós-terror” soa mais bobo ainda. Isso porque, de acordo com defensores da ideia, estariam no mesmo pacote “pós-terror” filmes como “A Bruxa” e “O Bebê de Rosemary”, por serem “sofisticados”. Ora, uma coisa é fazer filme de terror sofisticado, com mais recursos e elenco de “primeira linha”. Outra coisa é chamar isso de “pós-terror”. Alfred Hitchcock, um dos cineastas mais brilhantes de todos os tempos, passou por várias vertentes do cinema: mudo e preto e branco, sonoro e preto e branco, sonoro e colorido e até 3D! Isso em 1954!!! Nem por isso, classificamos “Disque M Para Matar” ou “Psicose”, como “Pós-terror”, porque eram só uma adequação do gênero às tecnologias que iam surgindo. No caso de “Psicose”, a trilha sonora é de suma importância para a condução da história: é ela quem nos avisa do perigo iminente e, mesmo que inicialmente, o diretor tenha idealizado a cena do chuveiro sem música, hoje é impossível pensar nela sem a trilha de Bernard Hermann. No filme seguinte de Hitchcock, no entanto, a trilha é abolida: em Os Pássaros, não há música (com exceção de duas ou três canções cantadas pelas crianças da escola). Do mais, não há os acordes de violino que nos chocam nas cenas mais fortes de Psicose. Apenas o barulho dos pássaros (barulho mecânico, é verdade) anunciando a chegada do terror.

Hitchcock, ao longo da carreira, brincou com a tecnologia o quanto pôde, fazendo-a trabalhar a seu favor e, quando não dispunha de artefatos, criava-os ele mesmo, vide algumas tomadas de “Um Corpo Que Cai”, por exemplo. Mas ele não foi um representante do “pós-terror”. Ele foi um construtor e usuário de novas técnicas que ajudaram na evolução e adaptação do gênero.

Falar que “A Bruxa”, “O Demônio de Neon”, “Ao Cair da Noite” e “Corrente do Mal” são filmes do “pós-terror” é, antes de tudo, desconsiderar a longa trajetória do gênero e suas mais diversas adaptações em relação aos períodos históricos, políticos e culturais a que pertencem. Pior, quando se tenta incluir os filmes clássicos nesta linhagem, percebe-se o quanto esse argumento de “pós-terror” soa mais tolo. Imagine classificar “Frankenstein”, filme de 1931, como um exemplar do “pós-terror”. Um filme feito em uma época em que o próprio gênero estava em formação!

O cinema, em geral, se camufla, se adéqua, se adapta à realidade do mundo para criar sua própria realidade. E isso acarreta todos os gêneros. Tomemos como exemplo os filmes de ação: Se pegarmos um título da franquia “007” dos anos 1960, um “Rambo” dos anos 1980 e “Velocidade Máxima” dos anos 1990, teremos três filmes de ação. Diferentes entre si, com propostas distintas, mas ainda assim, filmes de ação. O mesmo vale para animação: “Branca de Neve e os Sete Anões” (1937), “O Rei Leão” (1994) e “O Rei Leão” (2019) são totalmente diferentes em relação às técnicas utilizadas e ao período em que foram produzidos. Mas são filmes de animação. Simplesmente animação. Ou você se atreveria a classificar “O Rei Leão” (2019) como “pós-animação” por ser bem diferente da animação de 1994?

PALAVRA DE ESPECIALISTA:

NósPara tentar explicar os motivos de ser um equívoco classificar um filme como “pós-terror”, conversei com muitas pessoas ligadas ao universo cinematográfico. O já citado Bruno Hilário, curador da tradicional sala de cinema “Humberto Mauro”, em Belo Horizonte, diz que essa nomenclatura soa estranha. Para ele “Através dos tempos esse gênero cinematográfico viveu grandes momentos, outros nem tantos… repetições… mas sempre e em todas as fases existem experiências incríveis que deslocaram a expectativa do que estava sendo produzido…” e completa dizendo que “Terror é Terror”.

A professora de cinema Vanessa Tamietti ressalta que essa definição “não faz sentido nenhum”, exatamente por entender que o gênero comporta suas próprias variações, bem como os demais gêneros cinematográficos.

Quem compartilha da mesma opinião é o jornalista e cineasta Felipe M. Guerra. Questionado sobre o uso do termo ele é taxativo e o descreve como uma grande “besteira”. Outro que também acha uma besteira o uso de “pós-terror” é o professor, crítico e cineasta Carlos Primati, que ministrará um curso sobre o cinema de terror agora em agosto, por meio de plataformas digitais. Primati ressalta que “os primeiros filmes de horror obviamente não tinham sangue, esquartejamento, etc. porque não existiam efeitos especiais devidamente desenvolvidos na época, mas eles não eram ‘menos horror’ (ou ‘pré-horror’) por conta disso. O que essas pessoas querem chamar de ‘pós-horror’ é um cinema mais profundo, sério, ‘elevado’ (também inventaram essa besteira, ‘elevated horror’!), mas basta você ver ‘Sangue de Pantera’, ‘Os Inocentes’, ‘Repulsa ao Sexo’ ou ‘A Hora do Lobo’ pra ver (elementos do que se diz) ‘pós-horror’ ao longo de toda a trajetória do gênero.”  Ele conclui dizendo que “Essa coisa de pós na arte funciona na música, por exemplo, em que os ciclos são bem definidos, são temporários, e em seguida se transformam em outra coisa. Por exemplo, o punk e depois o pós-punk. O cinema não comporta isso.”

E não comporta porque está sempre em evolução, como vimos acima na trajetória do próprio terror e nos exemplos tirados de outros gêneros. Quer ver mais exemplos? “…E O Vento Levou” e “A Noviça Rebelde” podem ser classificados como “Romance Épico”, “Uma Linda Mulher” e “O Diabo Veste Prada” como “Comédia Romântica”. “Ghost – Do Outro Lado da Vida” e “A Lagoa Azul” como Romance – com algumas nuances mais trágicas. Enfim, os subgêneros podem separá-los para facilitar uma localização, digamos, numa videoteca. Mas o que os une é o gênero maior: o Romance. Todos são romances, não existindo um “pré”, “normal” e “pós-romance”.

Isso acontece com o terror quando o subdividimos em slasher, sobrenatural, psicológico, suspense, ‘terrir’ (aquela mescla entre terror e comédia, como “A Noiva de Chucky” e “A Volta dos Mortos-Vivos”, por exemplo) e, em alguns casos, até mesmo histórias policiais, como as clássicas adaptações de livros de Arthur Conan Doyle e Agatha Christie, repletos de mistérios e o indefectível “Quem Matou?”.

Outra defensora da tese de que o que existe são subgêneros dentro do terror e não um “terror” e “pós-terror” é a jornalista Tatiana Barroso. Para ela, o termo “pós-terror”, ao se referir a filmes sem excesso de sangue e gritos pode ser facilmente e corretamente substituído pelo já existente “terror psicológico” que é o que temos ao observar produções como “A Dama Enjaulada”, onde a protagonista se vê presa em um elevador doméstico durante uma falta de energia e vê sua casa invadida por bandidos. No fim, a situação de pânico só piora quando tomamos conhecimento do conteúdo da carta deixada pelo filho da vítima, que havia saído pela manhã. Não há elementos sobrenaturais no longa, não há derramamento de sangue na tela, não há nudez e até os gritos são contidos, uma vez que o próprio título nos lembra que se trata de uma dama passando por uma situação angustiante. Puro terror psicológico. Puro terror. Sem um “pós” desnecessário.

Para o estudante de cinema Vítor Damasceno, também não se justifica o uso do termo porque, por mais que o cinema tenha mudado nos últimos vinte anos, a mudança no gênero não foi tão radical a ponto de se criar um novo terror. E a prova de que essa mudança não foi radical está nos próprios filmes já citados dessa nova safra, que bebem da mesma fonte de produções clássicas.

Ao cair da noite
Cena do filme “Ao Cair da Noite”

Para Yasmine Evaristo, formada em Artes pela UFMG, e que trabalhou por mais de dez anos em lojas que alugavam e vendiam filmes, essa tentativa de classificar os filmes mais novos como “pós-terror” é querer “jogar fora toda uma história que vem sendo construída desde o início.” Para ela, diretores como Robert Eggers (A Bruxa, O Farol), Jordan Peele (Corra!, Nós), entre outros, vêm usando o terror em formas diferentes, mas nem por isso criaram um gênero novo. Ela usa o começo da carreira de Roman Polanski, toda a carreira de Alfred Hitchcock e filmes como o próprio “O Exorcista” para justificar sua fala. Para ela, nessas obras, já temos muitos dos elementos que hoje seriam classificados como “pós-terror”, mas que são apenas visões diferentes de se trabalhar com o gênero, sem lançar mão, necessariamente, do chamado jumpscare  (aquela técnica do susto e do grito fácil, geralmente vista nos slashers).

Quem também trabalhou por anos em lojas de filmes, foi Pérola Krissia, que compartilha da opinião de Yasmine. Para ela, quem defende o uso do termo “pós-terror”, tem uma necessidade enorme de “afirmar que descobriram/inventaram algo apenas mudando o nome”. Ela conclui dizendo que o cinema independente, o cinema italiano e diversas produções dos anos 1960 trazem vários elementos do que agora se quer chamar de “pós”.

Para o advogado e cinéfilo Fernando Sobrinho, “terror psicológico e com fundo social sempre existiu. Não precisa ficar inventando termo para tornar o terror mais palatável a um público elitista. E mesmo o terror ‘podreira’ não está dissociado do contexto histórico que foi produzido.”

O jornalista e humorista Ricardo Bello brinca com a ideia do termo, indagando em que momento do “Terror 1” morreu para podermos ter o “Terror 2” ou “Terror Plus”? E ressalta que o gênero é um só, apenas com adequações temporais vistas em toda a extensa história do cinema.

Enfim, levando em consideração todas as opiniões retratadas aqui e as minhas próprias experiências com o cinema, considero o uso de “pós-terror” como algo que destoa totalmente da história evolutiva não só do terror, bem como dos demais gêneros que compõem a já extensa história do cinema.

É querer romper com algo que não está rompido, apenas se adequando a novas realidades: algo que já aconteceu com a chegada dos já mencionados Expressionismo Alemão, os Monstros da Universal, os filmes mais caros da década de 1960, os slashers baratos dos anos 1970/80, a metalinguagem dos anos 1990 e toda a nova gama vista a partir dos anos 2000.

Enfim, há adequação, não ruptura. Há reutilização/renovação de subgêneros dentro do terror. Há focos narrativos diferentes, com intuitos e públicos diferentes, mas não um “pós-terror”…

18 - Lembranças do Inferno - Sexta-Feira 13 12

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