BBB 20: Uma edição histórica – em todos os sentidos!

De vírus a paredão com recorde de votos, passando por anúncio da concorrente na final, BBB 20 foi além do que a Globo poderia querer programar
Antônio Pedro de Souza

      Perfil colunaQuando a Globo anunciou que a edição nº 20 do Big Brother Brasil seria histórica, talvez nem mesmo a própria emissora pensasse que a alcunha seria levada tão ao pé da letra. É claro: a Globo havia “programado” esta para ser uma edição histórica, dentro dos limites e desejos da própria emissora. Afinal, um reality show alcançar a marca de vinte temporadas e dezoito anos no ar, já é um marco louvável. Assim, a rede televisiva vendeu a imagem do programa como histórica e, para fortalecer tal imagem, trouxe famosos (ainda que somente dentro de certos nichos) para competir com as pessoas que se inscrevem normalmente. Tal artifício garantiria entraves interessantes ao longo da temporada e levantaram dúvidas já na estreia: os famosos teriam vantagem sobre os inscritos por, obviamente, já serem conhecidos por parte do público? Como ficaria a imagem dos famosos após a passagem (muitas vezes conturbada) pela “casa mais vigiada do Brasil”? É justo colocar anônimos e famosos numa competição por R$1,5 milhão? Inicialmente, essas eram as perguntas mais comuns que norteariam a 20ª edição, mas no mundo real, as coisas podem se tornar mais confusas do que num programa de TV. Abaixo, listo alguns tópicos que ajudam a entender o peso do BBB20.

Edição Histórica pela história do programa:

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Rafa, segunda colocada no BBB20

O Big Brother chegou ao Brasil em 2002, na época apresentado por Pedro Bial e Marisa Orth. O formato novo chamou a atenção do público – embora já tivesse sido copiado por Sílvio Santos na Casa dos Artistas. Sílvio aproveitou a época de negociações da Globo com a Endemol, lançou a “Casa” meses antes e fez sucesso. Quando o “BBB”” estreou, passou a impressão de que a emissora carioca estava copiando a paulista. Algumas edições depois – tanto de BBB, quanto de Casa – a Justiça entendeu que Sílvio havia copiado o programa da Endemol e a atração do SBT não voltou mais ao ar.

            Em 2003, houve duas edições: a tradicional a partir de janeiro e uma a partir de agosto. Seja pelos bons índices de audiência ou, simplesmente, para consertar o calendário: como a primeira edição havia ocorrido em 2002, o número do programa ficara sempre um número atrás do ano corrente. A princípio, parece uma bobagem, mas a sonoridade do título do programa, aliado ao ano, ajuda e muito, a vender imagem da atração e mostra uma organização meticulosa por parte da emissora.

            Depois da 10ª edição, os próprios criadores do formato, na Holanda, mostraram-se surpresos, pois, segundo eles, o programa perdia o interesse naturalmente após algumas temporadas no ar.

            Então, chegar aos dezoito anos e vinte edições é uma marca mais que louvável para um reality show – aliás, para qualquer programa da TV hoje, com o advento da internet, serviços de streaming e redes sociais.

            Por falar em avanços tecnológicos, nesses dezoito anos, o BBB soube aproveitar bem as mudanças no modo de consumo do público: começou apenas na TV aberta, se abriu para a TV paga, passou a ter câmeras dentro do serviço de streaming da Globo e usou e abusou das redes sociais nas últimas temporadas. Da votação por telefone e SMS à atual escolha dos eliminados e vencedor por meio do GShow, a tecnologia mudou bastante, mas o Big Brother sempre soube usá-la para manter seu público fiel.

Edição Histórica pelos participantes:

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Manu, terceira colocada no BBB20

Edição boa é aquela em que tem barraco todo dia ou é aquela em que os participantes se tornam melhores amigos dentro do confinamento? É aquela em que fazem algo realmente interessante para vencer ou é aquela em que só comem, dormem, namoram e chegam à final? Após vinte edições no ar, isso ainda não é um consenso. Pessoalmente, gosto bastante da edição 18, já na era Tiago Leifert, que sagrou a Gleice como vencedora. Da era Bial, gostei da 1ª, 3ª, 4ª, 5ª e 16ª edições. Não vi nada da segunda edição e pouquíssimo das edições 7 a 15. Então para se fazer uma edição histórica, que respeitasse a trajetória dos programas anteriores, a Globo escolheu participantes variados, que pudessem trazer discussões múltiplas – ainda que muitas vezes polêmicas – para o programa. Afinal, BBB é entretenimento, é futilidade, mas pode servir para levantar conversas interessantes também. E assim foi.

            Como já dito, para “apimentar” o programa nem todo mundo foi inscrito: havia nove convidados já “famosos”. À primeira vista, a escolha dos famosos surpreendeu, mas não pela “fama”. Alguns veículos chegaram mesmo a publicar na manhã após a estreia que a Globo havia escolhido “famosos que ninguém conhece”, o que poderia ser uma pedra no sapato da almejada “edição histórica”. A verdade é que, de certo modo, apenas Manu e Babu eram conhecidos do grande público por já terem feito novelas (na própria Globo) e terem outros projetos. Babu, por exemplo, deu vida à Tim Maia no filme e minissérie sobre o cantor. Os outros famosos, porém, eram conhecidos por seus nichos de atuação: havia esportistas, influenciadores digitais, cantoras, enfim: a Globo apostou em diversos públicos. É como se dissesse: “Se você não conhece a Boca Rosa influenciadora digital, conhece o Babu por causa do filme sobre o Tim Maia. Se não conhece o Babu por causa do filme, conhece a Manu por causa da novela. Se nunca viu novela porque não é sua praia, conhece a Boca Rosa por causa das redes sociais.” Enfim, sempre tinha um jeito de conhecer um ou outro famoso. Em relação aos anônimos, havia também uma variedade de tipos bem interessante. E eles já comeram se dando bem: na primeira prova da temporada, ganharam a imunidade total para o grupo.

            Com o avanço do programa, intrigas, amizades e amores surgiram. Embora não houvesse um exagero pelo apelo sexual, como nas primeiras temporadas, houve, sim, momentos de carícia mais contidos – aliás, parece tendência esse desinteresse por longas cenas embaixo do edredom nas últimas temporadas do programa.

            As brigas também não foram tão fortes a ponto de haver expulsão, como nas edições 19 e 16, por exemplo. Petrix chegou a ser chamado no confessionário por conta de um suposto assédio a uma das participantes, depois Pyong pelo mesmo motivo e, por fim, Flayslane por ter cuspido na mesa e urinado na sala. Todos advertidos, mas nenhum expulso. O público se encarregou de eliminar os “encrenqueiros” nos devidos paredões.

            Assim, a edição se tornou histórica por causa das ações – para o bem e o para o mal – de cada um dos vinte selecionados. No final, os quatro melhores e mais coerentes com suas trajetórias, protagonizaram a melhor semifinal.

Edição Histórica pela nostalgia:

            Já falamos aqui da longa história do Big Brother Brasil na TV. E a Globo soube aproveitar boa parte dessa história ao trazer para a vigésima edição um pouco de cada uma da anterior: o confessionário era decorado com itens dos programas passados e algumas provas foram trazidas da outras edições. O temível “Quarto Branco” voltou, embora tenha causado menos burburinho do que o esperado, dada a velocidade com que Manu apertou o botão. Também voltou a “Casa de Vidro”, responsável por colocar no programa Ivy e Daniel. Acreditem, essa nostalgia programada pela Globo surtiu efeito e ajudou no sucesso da 20ª edição.

E o vírus…

            Como falei no começo da coluna, às vezes o mundo real pode se tornar mais confuso que um programa de TV. A edição histórica já havia caído no gosto popular, já havia conquistado audiência e, por isso, já havia se tornado “histórica” como a Globo anunciara no começo do ano. Mas, aí, a pandemia da COVID-19 se alastrou e nos forçou ao isolamento social. Um baque. Tudo parou, tudo fechou: shows e peças teatrais cancelados, cinemas fechados, parques, shopping, tudo sem funcionar. Nas emissoras de TV, apenas as novelas já gravadas continuaram no ar. Em seguida, reprises. Em muitas redes de TV apenas o Jornalismo continuou funcionando. Todo o quadro de entretenimento – que inclui programas de auditório, novelas, humor, séries, etc. – parou. No meio disso tudo, um BBB20 pela metade. O que fazer?

            A Globo apostou na continuidade do programa e acertou ao fazê-lo. Confinados, os participantes já estavam, na prática, fazendo o que todos tivemos que aprender a fazer em meados de março. A emissora quebrou a principal regra do programa, que é não deixa-los saber nada do que acontece aqui fora e na segunda-feira, 16 de março, Tiago Leifert e um infectologista puseram os participantes a par da pandemia. A partir daí, não houve mais plateia nas noites de eliminação e o apresentador não abraçou mais quem saía do programa. Além disso, todas as noites Leifert ressaltava que os utensílios vindos de fora da casa eram meticulosamente higienizados e reforçava a importância dos participantes lavarem as mãos e usarem álcool em gel antes e depois das refeições, provas, festas, etc.

            Muitos questionaram o porquê do não cancelamento da edição – ou, pelo menos, suspensão temporária. Mas acredito que a emissora tomou a melhor decisão: no momento do anúncio da pandemia e começo do afastamento social, o programa já estava na metade, faltando cerca de 40 dias para acabar, diferentemente do Canadá, em que o programa ainda estava no começo – e foi encerrado.

            Também Itália, país devastado pela COVID-19, o programa seguiu até o fim – a final foi antecipada, mas o programa não foi cancelado. Na Alemanha, os participantes puderam ligar para as famílias e a atração seguiu no ar. Assim, a Globo comunicou a gravidade da situação, explicou os novos procedimentos e seguiu com o programa. O público, em casa, agradeceu, já que, para usar as palavras do próprio Leifert: “quando vocês se abraçavam e se beijavam, é como se nós nos beijássemos e abraçássemos aqui também.” Na noite do dia 16 de março, ao anunciar a pandemia aos participantes, o BBB cumpriu sua tarefa de entretenimento e aliou-se à prestação de serviço: ao vivo, o infectologista explicou para os que estavam na casa do Big Brother e para nós que estávamos em casa assistindo a importância de se prevenir do vírus, as formas mais eficazes e a situação pela qual o mundo passava no momento.

Viradas:

            Se o vírus interferiu no andamento do programa, lá dentro os participantes souberam protagonizar suas próprias viradas: Manu disse que, a partir do momento em que foi ao primeiro paredão, sentiu necessidade de ficar na casa e, por isso, mudou completamente sua postura. Thelma também sentiu a necessidade de virar o jogo no momento em que foi escolhida para Monstro: ela deveria imitar a Solange do BBB4, presa em uma gaiola e cantando “We Are The World” ou, na linguagem da própria Sol, “Iarnuou”… Thelma comentou na final que, após aquele monstro, passou a sentir a necessidade de criar sua personalidade dentro do jogo, optando por não mais se aliar a quem lhe fizesse mal. Coube a ela, inclusive, uma das decisões mais difíceis do programa: votar em Rafa ou Babu, seus dois maiores aliados. Ela optou por salvar Rafa. Entraves também não faltaram na vida de Manu, mas talvez o maior deles – antes de um paredão histórico – foi o quarto branco. Felipe Prior foi indicado ao quarto branco pelo anjo da semana e poderia levar mais dois participantes. Ele escolheu Manu e Gizelly. Lá dentro, os três que já haviam se desentendido algumas vezes se acertaram e, na saída, Manu se recusou a votar em Prior – pelo menos naquela semana.

Números:

            Paredões depois, Manu e Prior se enfrentaram numa votação icônica que rendeu à Globo uma placa no Livro dos Recordes pela “maior votação em um programa de televisão em todo o mundo”. Foram 1.532.944.337 (um bilhão, quinhentos e trinta e dois milhões, novecentos e quarenta e quatro mil, trezentos e trinta e sete votos). Babu também entrou para a história como o participante que mais foi ao paredão: 10 vezes. E, no fim, as mulheres empataram com os homens em número de vitórias no programa: em vinte edições foram dez vencedores e dez vencedoras. Outro dado curioso: o programa ficou no ar por 98 dias, quatro a mais que o planejado. E, claro, além dos patrocinadores, as ações de merchandising, ainda mais em tempo de afastamento social, foram bem encaixadas. Ganharam espaço os aplicativos como Pic-Pay, Ifood e Americanas.Com. O serviço de streaming da Globo, o GloboPlay reinou na edição, com direito a chamada especial na última semana mesclando cenas do programa aos filmes, novelas e séries disponíveis no catálogo da plataforma. Mas, quando se trata de publicidade, nenhuma verba é rejeitada – principalmente em tempos de pandemia – e a Globo deixou isso claro na final do BBB20: em todos os intervalos do programa foram exibidos anúncios da Netflix que, em se tratando de serviços de streaming, é a maior concorrente do Globoplay. A ação pegou de surpresa os telespectadores, tal qual o anúncio da Tele Sena, de Sílvio Santos, na emissora carioca em meados dos anos 2000. Sinal dos tempos ou da verba publicitária alta? Quem ganha é o público, claro.

Reta Final:

            Personagens polêmicos – tanto de um lado quanto do outro – foram caindo um a um, como num jogo de xadrez. Na semana que antecedia a final, Babu, Manu, Rafa e Thelma ficaram sozinhos na casa. Ele, o único homem desde a saída de Prior; elas, as que superam o machismo dos primeiros dias, acertaram suas diferenças e se fortaleceram para o xeque-mate.

            Na última prova, o vencedor estaria na final e os demais no paredão. Babu e Rafa foram os primeiros eliminados, Manu e Thelma disputaram a pergunta final – que envolvia a cor do chapéu de um boneco do interior da casa. Manu saiu na frente e foi pra final. Babu caiu no paredão, abrindo a final feminina entre a atriz, a influenciadora digital e a médica.

Cenas pós-créditos:

            Antes desses acontecimentos, porém, Tiago já havia anunciado que o programa teria uma sobrevida: em vez de acabar em 23 de abril, terminaria na segunda-feira, 27. Internamente, a produção brincou com os últimos confinados aumentando o tempo do cronômetro: de 8 para 10 dias e, depois, para 99 dias. Só após a saída do Babu é que Tiago liberou o relógio certo para as finalistas.

            No final, Manu ficou em 3º lugar, Rafa em 2º e Thelma se sagrou a grande campeã de uma edição, realmente, histórica: a médica que passou por várias dificuldades na infância e juventude, lutou contra preconceitos fora e dentro do programa foi agraciada com o prêmio mais que merecido. Ao anunciar a vencedora, a poucos metros de distância, no jardim da casa, Tiago foi enfático: “O BBB20 tinha que ser seu, Thelma.” Ajoelhada, ela agradeceu à mãe e recebeu o carinho de Rafa e Manu.

            Tiago chorou enquanto se despedia do público, dizendo que o BBB20 estava chegando ao fim.

Simplesmente… HISTÓRICA:

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Thelma, grande campeão do BBB20

A partir do momento em que sentamos na sala apenas por entretenimento ou para desanuviar a cabeça dos acontecimentos mundiais – de vírus a escândalos políticos – o fato é que queremos um programa que nos dê prazer, faça descansar a mente e relaxar, mas também suscite discussões: racismo, machismo e outros males contemporâneos que precisamos tanto combater. Se o programa ainda puder aliar prestação de serviço – como os esclarecimentos sobre o vírus no dia 16 – melhor ainda. Assim, aliando esses elementos e sendo uma área de escape no fim da noite, o Big Brother Brasil 20 se tornou, sim, uma edição histórica. Para além do que foi imaginado pela Globo, mas muito melhor do que a emissora poderia ter programado. Uma edição histórica, em todos os sentidos.

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Fotos: Gshow/Reprodução

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