Ou tudo o que vimos se passou em apenas 45 dias ou já se passou um ano e Alberto não morreu
Antônio Pedro de Souza
Bom Sucesso, atual novela das sete da TV Globo, traz um texto leve, divertido – embora com uma temática forte – e um elenco primoroso que tem conquistado público e crítica, algo raro nos últimos anos em se tratando de teledramaturgia nacional. Um erro, porém, precisa ser ressaltado: a falta de lógica temporal da história.
É preciso esclarecer, antes de qualquer coisa, que Bom Sucesso nunca se mostrou datada em relação ao ano, mas forneceu pistas para que o espectador se situasse em um período, como as cenas natalinas mostradas essa semana. E é aí que a coisa começa a ficar complicada para o roteiro.
No primeiro capítulo, Alice perde a prova do ENEM porque pensa estar grávida. Há cerca de 10 anos que o ENEM acontece em novembro. Assim, Bom Sucesso pode ter começado tanto em fins de 2018, como em fins de 2019. Isso não ficou claro, mas não foi o problema maior, que viria a seguir.
Depois de descobrir não estar grávida, Alice retorna ao colégio e se prepara para a formatura do Ensino Médio. Paralelo a isso, Paloma, sua mãe, começa a viver o drama central da novela: faz um exame e descobre ter apenas seis meses de vida. Dias depois, descobre que os exames foram trocados e que não está doente. Conhece então Alberto, o verdadeiro enfermo e se afeiçoa por ele, indo trabalhar em sua casa.
Até esse momento, Bom Sucesso se manteve linear, mas quando esses universos distintos passam a conviver, a cronologia foi, simplesmente, mandada às favas! A começar pela velocidade em que o livro de Silvana Nolasco foi escrito: a atriz conheceu Marcos que a convidou a escrever o livro, deu entrevistas a Mário, que organizou o material, editou, imprimiu e ela incendiou o material numa velocidade assustadora. Tudo bem, é novela, e o processo de publicação de um livro não precisa ser levado tão a sério quanto na vida real. Mas vale lembrar que a novela não conta com o recurso de “tantos dias depois”, tão comum em outras produções para que a ação seja acelerada. Se acelerar o tempo em Bom Sucesso, o Alberto morre. Ele só tem seis meses de vida.
Em seguida, Marcos se contra com um Youtuber e… pimba! A velocidade na publicação do livro é a mesma da atriz.
Entre um livro e outro, Alice se forma no Ensino Médio. Enem em novembro, formatura em dezembro, certo? Nenhuma menção foi feita sobre a chegada de dezembro, exceto de que os estudantes entrariam de férias. E já estavam de férias há um bom tempo, quando Ramon consegue colocar o time de basquete em um campeonato e a casa de Alberto é assaltada, colocando Paloma em uma enrascada gigante!
A editora, quase falida, entra de corpo e alma na Bienal do Livro, que realmente aconteceu no Rio de Janeiro em meados de… setembro! Opa! Ou os autores usaram uma “Bienal Fictícia”, sem elo com a realidade, ou já se passaram nove meses desde as férias dos alunos. Mas aí o Alberto, que só tinha seis meses de vida, já teria morrido! E por que os meninos não são mais vistos na escola?
Passada a Bienal, Paloma, ainda deprimida por ter sido injustamente acusada do assalto, resolve dar asas ao seu sonho e lançar sua própria coleção. Bam! Nem bem teve a ideia, já estava fazendo o desfile de lançamento nas ruas do Bonsucesso, bairro em que reside. Rapidez é com esses personagens mesmo, hein? O mesmo pode se dizer do processo de produção dos livros do youtuber e da atriz: “é só uma novela e blá-blá-blá”. Tudo bem, mas vale lembrar, mais uma vez, que Bom Sucesso não conta com o recurso de aceleração de tempo, já que Alberto tem seu tempo contado e, todos sabemos, é curto!
Com o sucesso das roupas, Paloma recebe encomenda para o…Natal, enquanto Ramon vê seu time chegar a final do campeonato de basquete. Opa! Temos, então, dois caminhos que podem ser considerados:
1º – A novela começou em novembro, com Alice perdendo o ENEM, encerra o ensino médio em dezembro, o Natal é desconsiderado e todos os fatos mencionados ocorrem em durante todo o ano até setembro (na Bienal) e culmina com a chegada do Natal do ano seguinte. Assim, um ano se passou desde o primeiro capítulo. É o caminho mais óbvio e mais cronologicamente verossímil, devido à alta carga de acontecimentos narrados. Mas esbarra justamente na espinha dorsal da novela que é o fato de Alberto ter “apenas” seis meses de vida.
2º – A novela começou em novembro, com Alice perdendo o ENEM e todos os fatos narrados ocorreram em cerca de dois meses, até a chegada do Natal, o que traz uma carga enorme de acontecimentos para um período tão curto de tempo. Em aproximadamente 45 dias, Paloma conheceu Alberto, foi trabalhar em sua casa, Silvana conheceu Marcos, escreveu , publicou e queimou o livro, a editora lançou o livro do youtuber e a coleção de clássicos, conseguindo se recuperar financeiramente na Bienal, Paloma é incriminada e inocentada do assalto à mansão, o time de Ramon entra e chega à final de um campeonato de basquete, Paloma deixa a mansão, desenha costura e lança sua primeira coleção e os personagens chegam à noite de Natal. Essa versão “Corrida Maluca” da novela só é verossímil ao se levar em consideração o tempo de vida de Alberto, mas desconsiderar todo o restante, já que a carga de acontecimentos é enorme para apenas dois meses de história (por exemplo, o campeonato de basquete. Não estamos falando aqui de uma Copa do Mundo ou Olimpíadas, em que as modalidades são aceleradas. Estamos falando de um campeonato tradicional, que demora mais). Essa segunda versão ainda é corroborada por um diálogo que foi ao ar na última semana. Ao persuadir a filha Nana a recontratar Mário, Alberto diz que tem apenas três ou quatro meses de vida, ou seja: desde o diagnóstico, só se passaram os dois meses que constam nessa “versão acelerada”.
Assim, mesmo com o texto agradável, humano e um elenco impecável, Bom Sucesso deslizou feio na verossimilhança temporal. E o tempo é um elemento importante, primordial até, para os dois protagonistas. Deveria ter sido mais bem planejado pela equipe de produção.