Novela se mantém atual, mesmo após 30 anos de sua exibição original
Antônio Pedro de Souza
Foi ao ar nesse sábado, 09 de fevereiro, pelo Canal Viva (TV paga), o último capítulo de “Vale Tudo”, marco da TV brasileira, exibida originalmente entre 1988 e 1989. E o que tornou o texto de Gilberto Braga, Leonor Bassères e Aguinaldo Silva tão brilhante e capaz de vencer com facilidade trinta anos de história? Talvez a crítica social, o romance policial que tomou conta dos últimos capítulos, a trilha sonora afiada ou a bem executada mistura desses três elementos.
Vale Tudo ousou botar o dedo da ferida em um momento pra lá de delicado da história do Brasil. Aliás, desde que Cabral chegou por aqui, em 1500, que momento não foi altamente delicado em nossa história? Mas o que Vale Tudo fez foi maximizar a sensação de que no Brasil tudo vale, regras são feitas pra serem quebradas e só consegue subir na vida quem der um golpe, por menor que seja.
É bem verdade que se tivesse sido escrita alguns anos antes, Vale Tudo talvez nem tivesse sido exibida, como foi o caso da primeira versão de Roque Santeiro, censurada pela ditadura militar na noite da estreia, em 1975 e que só conseguiu liberação para ir ao ar dez anos depois, já com a redemocratização do país em andamento.

Também podemos pensar que se a novela tivesse sido escrita alguns anos depois, poderia ter passado “batido” (não necessariamente esquecida, pois o texto da trinca de autores é afiado demais para ser apagado da memória, mas talvez não tivesse causado todo o impacto que causou).
Enfim, podemos supor, então, que o primeiro elemento para o sucesso de Vale Tudo foi o momento em que foi exibida.
O ano de 1988 marcou grandes mudanças na história política e cultural do Brasil. Redemocratizado desde 1985, o país ganhou uma nova Constituição e viu chegar ao fim a Censura, que fiscalizava veículos de comunicação, programas, novelas, músicas, filmes, etc. Vale Tudo foi a última novela a ter capítulos avaliados pelos censores, conforme relata o jornalista Cláudio Ferreira em seu livro O Beijo Amordaçado. E a novela sofreu um bocado com esses entraves legais: algumas tramas foram modificadas e perfis de personagens sofreram “ajustes” em prol da “moral e dos bons costumes”. O caso mais famoso foi o do romance entre Laís e Cecília. As duas contam a Heleninha sobre os preconceitos que sofriam por serem homossexuais. Depois disso, a Censura exigiu a alteração de diversos diálogos entre as duas.

O fato é que Vale Tudo se propunha falar exatamente sobre isso: uma sociedade corrompida, que insiste em levar vantagem em tudo, mas se vê acima do bem e do mal apenas por serem “cidadãos de bem”. Alguma diferença com os dias de hoje?
Com a promulgação da nova Constituição Nacional e o fim da censura, a novela aumentou sua crítica. Odete Roitman, vilã-mor da trama, usava de sua sagacidade para se dar bem e se escondia atrás de um véu moral e de riqueza. Vale lembrar que, com exceção do filho (que só é citado na trama), ela não chegou a matar nenhum personagem, mas sua vilania era de arrepiar.
Do lado pobre, mas também mau-caráter da história, temos Maria de Fátima. Moça que sonha em subir na vida, mesmo que para isso precise pisar nas costas de algumas pessoas. E a primeira delas é a mãe: Fátima dá um golpe na progenitora já no primeiro capítulo, vendendo a casa que as duas receberam de herança e fugindo para o Rio de Janeiro. Lá, alia-se a César, outro cafajeste sem eira nem beira, que aplica muitos golpes, mas está sempre atrás de mais dinheiro. Não demora muito para que a dupla cruze o caminho da família Roitman e veja ali a sua grande chance.
Num patamar intermediário, temos Marco Aurélio, funcionário dos Roitman. O personagem é tão asqueroso quanto Fátima e César, mas mais inteligente que os dois, já que consegue manipular algumas contas da TCA, empresa de Odete, e levantar mais dinheiro que os demais trapaceiros da trama. Não é tão rico quanto Odete, mas também consegue se esquivar usando uma “capa protetora” de falsa moralidade.

E os honestos? Eles existem, é claro, e são sua maioria na trama. Do lado dos ricos, temos Afonso e Helena, filhos de Odete. Do lado dos pobres, temos Raquel, mãe de Fátima, entre outros. E tem os intermediários: aqueles que acham nobre ser honesto, mas podem dar uma escapulida, caso a situação seja favorável. Os melhores representantes, neste caso, são Rubinho e Ivan, curiosamente ex-marido e atual namorado de Raquel, respectivamente.
Rubinho é um músico quase à beira da miséria. Embora não dê golpes, vez ou outra pede dinheiro emprestado para a ex-esposa. Ivan, em sua ânsia de crescer profissionalmente, acaba se deixando seduzir pelo prazer do dinheiro dos Roitman. Primeiro, descarta Raquel para se casar com Helena; depois, deixa-se levar pelas chantagens de Odete e suborna um funcionário público para conseguir vantagens para a TCA. Nenhum dos dois é mau-caráter, mas ambos dão deslizadas no percurso.
Aldeíde e Consuelo também podem se enquadrar nesse perfil: no primeiro capítulo, as duas fazem uma “limpa” no banheiro da empresa em que trabalham, pegando sabonete e papel higiênico para economizar nas compras do mês; pouco depois, afirmam terem trocado as etiquetas de mercadorias no supermercado para pagarem mais barato – prática ilegal, mas muito comum naquele fim de década.
Vale Tudo discute exatamente essa questão: até que ponto é possível ser honesto e bem sucedido no Brasil? Isso é possível ou só cresce realmente quem deixa a ética de lado? Raquel, o tempo todo fala que não seria capaz de roubar e de matar para se dar bem. Quase no fim, desiludida com as pancadas que recebe da vida, afirma: “Eu sempre disse que não seria capaz de roubar e de matar; mas agora, acho que eu conseguiria matar…”

O modo como cada personagem se transforma no decorrer da trama é intenso e particular, o que aumenta a riqueza da linha narrativa. A crítica política, social e cultural está presente em cada um dos 204 capítulos, fazendo com que o espectador se veja no centro da história e consiga comparar os acontecimentos da telinha com o que acontece ao seu redor. Várias situações são facilmente reconhecíveis em nosso cotidiano e, após trinta anos de sua exibição original, isso é o que mais assusta: perceber que muito pouco mudou.
A novela estreou antes da nova Constituição e terminou antes das eleições de 1989, mas deixou um legado que a torna atual mesmo em 2019. O jeito obscuro de se obter vantagem em tudo, personificado em nomes como Odete, Marco Aurélio, César e Fátima, pôde ser observado na vida real naquele fim de década, como o já citado exemplo de se trocar a etiqueta dos produtos nos supermercados, para fazer frente às constantes remarcações de preços em uma época de superinflação. Anos depois, o próprio presidente Collor confiscou a poupança dos brasileiros para reduzir as dívidas do país. De lá pra cá, a classe política é vista constantemente nas manchetes jornalísticas sob acusações de corrupção. Para citar as mais recentes, temos o mensalão, petrolão, lava-jato, repasses misteriosos entre filho de presidente e assessor, entre outros…
Esse espelhamento da realidade a que Vale Tudo se propôs é, sem dúvida, o seu maior trunfo e, consequentemente, o que a torna tão atual mesmo agora. O texto é tão afiado que, ao assistirmos a novela entre 2018 e 2019, conseguimos até nos desconectar dos aparatos tecnológicos inexistentes na ocasião em que foi exibida originalmente: assistimos a 204 capítulos de uma novela sem sentir falta de celulares e redes sociais reinando entre os personagens. Para se ter uma ideia, nem mesmo Celebridade, de Gilberto, Leonor e Ricardo Linhares, exibida entre 2003 e 2004 e reprisada entre 2017 e 2018 conseguiu segurar o público do jeito que Vale Tudo consegue. Talvez se a novela ganhar uma nova reprise daqui a cinco ou seis anos, o impacto será o mesmo, caso os desmandos dos poderosos continue como vemos hoje.
Assustadoramente Atual:

Algumas falas de Raquel no último capítulo fazem com que analisemos como pouca coisa mudou em relação à corrupção no Brasil em trinta anos: em determinado momento, a personagem fala que foram presos meia dúzia de pobres, mas os poderosos continuam soltos, roubando e matando mais. Essa fala, escrita há três décadas, pode ser usada para casar com a trágica situação em que vivemos no Brasil de 2019: no crime da Vale, em Brumadinho, alguns fiscais e engenheiros foram presos, mas a grande diretoria, bem como os políticos coniventes, seguem soltos contando sua fortuna nas contas bancárias. O mesmo ocorreu em tragédias recentes: a barragem de Mariana, o viaduto de Belo Horizonte na Copa do Mundo de 2014, entre outros. Esses são apenas alguns exemplos de como a corrupção entranhada nos costumes brasileiros gera receita para uns e morte para outros. A icônica cena da “banana” que Marco Aurélio manda ao país quando está fugindo, casa com as atitudes nada louváveis de muitos dos nossos governantes. Como esquecer que o ex-governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, deixou para anunciar sua decisão sobre o pagamento do 13º no último dia do seu mandato, para então dizer que não pagaria nada? E o seu sucessor, Romeu Zema, aproveitar-se do rompimento da barragem de Brumadinho, para dizer que adiaria o pagamento deste valor, pois colocaria os recursos disponíveis para atender às vítimas da tragédia? No entanto, na prática, sabemos que nada disso acontece e essas declarações são apenas “bananas” metafóricas que os governantes mandam diariamente à nação. O atual presidente da república, Jair Bolsonaro, em seus primeiros decretos, instituiu um salário mínimo menor que o anteriormente divulgado e depois facilitou a posse de armas. Se a segurança pública não dá conta de conter a violência atual, imagine com mais pessoas armadas, sentindo-se aptas a se defenderem sozinhas?
Como na novela, a culpa é sempre jogada adiante: o governo diz que não pode se responsabilizar pela tragédia ocorrida na barragem porque a empresa é privada; a empresa diz que não tem responsabilidade porque foi atestado por agentes do governo de que a barragem era segura. E enquanto esse jogo de empurra-empurra segue, a população comum continua morrendo e recebendo essas “bananas” na cara.
Cinematograficamente redonda:

Se Vale Tudo é assustadoramente atual e consegue ultrapassar a velhice de sua própria tecnologia, ela também é cinematograficamente redonda: ao fim da história, todos os personagens têm um desfecho e a já citada cena da banana – uma das mais icônicas da teledramaturgia nacional – fecha com chave de ouro algo visto no primeiro capítulo: na ocasião, Fátima chega ao Rio de Janeiro, mas leva um pequeno golpe de um taxista. O motorista passa por um caminho mais longo, a fim de cobrar mais da moça. Ao descobrir o golpe, Fátima contra-ataca: diz ao motorista que ainda precisará usar os serviços dele por mais um tempo e o pede para levá–la a uma loja. Lá, ela entra, compra algo e sai carregando uma caixa de presente. Volta ao táxi e dá ordem para o motorista seguir. Depois de várias voltas desconexas pela cidade, Fátima pede ao taxista para parar em uma galeria e ficar aguardando por ela. Fátima não volta mais e depois de perceber que pode ter sido enganado, o taxista abre a caixa de presente só para encontrar uma banana! No último capítulo, após Marco Aurélio mandar a banana ao Brasil, Poliana aparece comendo da mesma fruta, encerrando esse ciclo simbólico iniciado no começo da trama.
Do mesmo modo, Fátima começa e termina a novela dando golpes. Esperando dar sua tão esperada guinada na vida, ela abre mão do próprio filho por um “salário” de 1 milhão de dólares por ano ao se casar com um príncipe europeu, que estava entrando para a política por um partido conservador e precisava de uma esposa de fachada para esconder sua homossexualidade! Qualquer semelhança com os falsos moralistas de hoje, não deve ser mera coincidência.

Mas não devemos julgar apenas Fátima, já que César também abandonou o filho – aliás, ele nunca aceitou o fato de ter tido um filho. No fim, Fátima, César e o príncipe terminam como “triângulo golpista-amoroso”: O príncipe tem um caso com César que tem um caso com Fátima que é casada com o príncipe apenas para manter as aparências de uma “família tradicional”. Outra vez, a máscara da moralidade encobrindo a verdadeira face de golpistas…
Mas se Marco Aurélio foge e Fátima e César continuam dando golpes, ninguém é punido? Claro que é! Como diz Raquel: “Meia dúzia de pobres” que acabam levando a culpa por todas as tramoias dos poderosos. Dayse e Freitas, empregados de Marco Aurélio; Olavo, amigo de César; e… Ivan, que paga sozinho pela culpa no caso do suborno da TCA. Antes de ir para a prisão e vendo Raquel inconformada com a situação, ele a consola: “Eu prefiro pensar que não sou o único a ser preso, mas que sou o primeiro. Quantas pessoas não estão cansadas de morarem em um país em que é normal ‘molhar a mão’ de um guarda? Quantas não estão cansadas de terem que ‘molhar a mão’ de um guarda?” Diz, em alusão ao seu crime ter sido de menor impacto.
Mas há, ainda, os finais felizes: Raquel e Ivan ficam juntos após a saída dele da prisão. Heleninha se vê livre do vício em álcool, Afonso e Solange – duas das maiores vítimas de Fátima e César – se reconciliam e ele descobre que a filha que a moça teve é dele e os personagens secundários se ajeitam cada qual a seu modo, terminando “felizes para sempre”, como manda a regra de um folhetim tradicional.
Metalinguagem

Na prisão, Ivan escreve um livro intitulado de “Vale Tudo”, em que fala sobre… Corrupção e a falsa noção que as pessoas têm sobre como devem se portar para subir na vida a qualquer preço.
Além desse livro, a música-tema da novela resume muito bem o enredo da trama: “Brasil”, composição de Cazuza na voz de Gal Costa causou um rebuliço na década de 1980 e hoje é, praticamente, indistinguível da novela, mesmo não tendo sido composta especialmente para ela.
Os versos falam sobre corrupção, alienação política, desmando dos poderosos, enfim… Tudo o que Vale Tudo mostrou e tudo o que ainda vemos nos dias de hoje.
Quem Matou Odete Roitman?

Impossível falar de Vale Tudo sem mencionar um crime ocorrido quando faltavam poucas semanas para a novela chegar ao fim. Após ser desmascarada por Raquel na frente da própria família, Odete se vê encurralada. Ela discute com os filhos, com Marco Aurélio e, pouco tempo depois, a câmera focaliza três disparos de uma arma de fogo, Celina recebe um telefonema e… Pronto! Está armado o mistério: Quem matou Odete Roitman?
O assassino é revelado no último capítulo e as causas e circunstâncias da morte seriam dignas de uma comédia pastelão, se não fosse o texto afiado da trinca de autores que soube segurar o mistério ao máximo e conduzir com maestria seu desfecho: Leila, esposa de Marco Aurélio, descobre que o marido a trai com Fátima (sempre Fátima!!!). Ela o segue até o apartamento que Odete mantinha para se encontrar com César (eita!), julgando ser o apartamento que Marco Aurélio mantinha para casos extraconjugais (de quem é a ficha mais podre?). Na sala, Odete e Marco Aurélio discutem e ela o acusa de ter desviado dinheiro da TCA. Em seguida, sente um mal-estar e vai à cozinha tomar um copo d’água. A campainha toca, Marco Aurélio atende e uma Leila desnorteada entra na sala, achando que é Fátima quem está ali. Marco Aurélio e Leila travam um diálogo que a deixa ainda mais confusa, até que ela vê a arma do marido em cima do balcão. A mulher pega a arma e mira na direção da porta que dá para a cozinha. Assim que vê a sombra do que pensa ser Fátima, ela atira três vezes, matando Odete (por engano) instantaneamente. Leila acaba sendo uma das criminosas sem castigo da trama, já que foge com o marido na icônica e já citada cena da banana.
Vale Tudo pelo sucesso de uma novela?
A Globo provou que sim! Se no âmbito ficcional, essa pergunta paira no ar até o fim da novela, permanecendo aberta para que o público pense sobre o assunto, nos bastidores, a emissora mostrou que a esperteza, muitas vezes, rende pontos a mais no IBOPE e, com isso, novas parcerias comerciais são feitas, gerando mais receita para a emissora. Mas vamos por partes (os tópicos a seguir contam com informações já divulgadas por colunistas como Duh Secco e Nilson Xavier):
1 – A novela teve 204 capítulos escritos, 203 noites de exibição e uma numeração bem confusa! O primeiro e o segundo capítulos foram condensados em um só, totalizando 1h6 de duração. Por causa disso, os sete primeiros capítulos não trazem a numeração na vinheta, como era costume na época. A numeração começa a ser exibida apenas no que era para ser o sétimo capítulo (segunda segunda-feira de exibição, já que a novela ia ao ar de segunda a sábado). Quando a numeração aparece, marca “Capítulo 8”…
2 – Quase na metade da novela, acontece um dos fatos mais curiosos da história da TV brasileira: Globo e SBT declararam “guerra” em nome da audiência! O SBT estrearia a faixa de filmes “Cinema em Casa”, com a exibição do filme “Rambo: Programado Para Matar”. A Globo, por sua vez, detinha os direitos de exibição do filme “Rambo II: A Missão” e o anunciou para a mesma data. O SBT recuou a primeira semana e adiou a estreia do Cinema em Casa para a semana seguinte e a Globo exibiu o filme normalmente após Vale Tudo. Na semana seguinte, para concorrer com o SBT, a Globo exibiu dois capítulos de Vale Tudo em sequência: 90 e 91! Isso faria com que o público fiel à novela perdesse, pelo menos, 50 minutos de Rambo na concorrente. O que o SBT fez então? Jogou um slide na tela com a frase: “Não se preocupe. Quando acabar a novela da Globo você vai ver ‘Rambo’”. A tática deu certo e, após a exibição desse segundo capítulo da novela, o filme foi ao ar no SBT. O caso acabou entrando para o hall dos grandes momentos da briga pela audiência na TV brasileira! E capítulos depois, na própria Vale Tudo, os personagens Mário Sérgio e Sardinha comentam: “Você viu Rambo semana passada?” A cena foi mantida na edição em DVD lançada pela Globo Marcas em 2014…

3 – A numeração seguiu e o capítulo 122 foi desmembrado em 2, gerando o 122 e o 122 A (!) Coisas da TV oitentista (e que ocorreu também nos anos 90).
4 – Mais uma vez, em nome de dinheiro, a Globo apostou que valia tudo para manter o clima de suspense em Vale Tudo! Explica-se: o assassinato de Odete Roitman estava previsto para ir ao ar no dia 23 de dezembro de 1988, mas um anúncio de uma seguradora no jornal, com direito à Beatriz Segall como garota-propaganda, fez com que a emissora adiasse sua morte. O tal anúncio incentivava as pessoas a fazerem seguro de vida, pois ninguém sabia o “dia de amanhã”. Assim, sem nem mesmo os autores saberem, a trama foi reeditada e Odete só foi assassinada na véspera de Natal: 24 de dezembro de 1988. Outra boa jogada, já que a audiência das novelas no período de festas costuma cair, mas como todos queriam ver a cena em que Odete morria, o gancho ajudou a segurar os números da trama.
5 – Concurso: O caldo de galinha Maggi, tradicional produto que quase sempre aparecia na programação dos anos 1980, realizou um concurso para se descobrir a identidade do assassino de Vale Tudo. A regra era simples: enviar uma carta contando sua suspeita e, claro, dizendo qual o melhor caldo de galinha… Apenas 5% por cento dos participantes chutaram certo e disseram ser Leila a assassina. No sorteio realizado após a exibição do último capítulo, seis pessoas foram contempladas, uma com um prêmio de 5 milhões de cruzados e as outras com um prêmio de um milhão cada. Uma participante de Belo Horizonte levou o prêmio máximo.
6 – Vários finais escritos, apenas um gravado: Vários eram os suspeitos da morte de Odete e, cá pra nós, todos tinham motivos de sobra para matá-la. Mas os suspeitos habituais eram César, Fátima, Raquel, Helena, Ivan e Marco Aurélio. Os autores escreveram vários desfechos, inclusive um que chocaria a “tradicional família brasileira posando atrás de uma máscara de moralidade” até os dias de hoje: Bruno foi cotado como assassino! O pré-adolescente filho de Ivan e Leila (e criado agora pela mãe e o padrasto, Marco Aurélio), ouviria a discussão na sala do apartamento, presenciaria Odete ameaçando o padrasto e, num impulso para defendê-lo, pegaria a arma sobre o balcão, fecharia os olhos e atiraria a esmo, matando Odete.
7 – Gravação no dia: Não foi mérito apenas de Vale Tudo. A Próxima Vítima, seis anos depois e Torre de Babel, dez anos depois, utilizariam o mesmo artifício: para manter a identidade da assassina em sigilo absoluto, as cenas da revelação só foram gravadas na tarde do dia da exibição do último capítulo: a sexta-feira, 6 de janeiro de 1989. Todo o elenco foi chamado e então o diretor e os autores revelaram: podem ir todos embora, a Leila é a assassina! E as cenas foram filmadas.
8 – Curiosidade final sobre a numeração dos capítulos: Embora não se enquadre no quesito do “vale tudo pela audiência”, vale destacar aqui uma última curiosidade sobre a numeração dos capítulos da novela: Exibida entre 16/05/1988 e 6/01/1989 (com reapresentação do último capítulo no sábado, 07/01), Vale Tudo foi reapresentada no Vale a Pena Ver de Novo, em 129 capítulos, entre 11/05 e 06/11/1992 e no Canal Viva entre 05/10/2010 e 16/07/2011, na íntegra. Como o Vale a Pena Ver de Novo edita os capítulos e entre 2010 e 2011 o Viva exibia novelas apenas de segunda a sexta, a confusão gerada pela numeração original dos capítulos não alterou a “data padrão” de término da novela: uma sexta-feira. Agora, nesta nova reprise do Viva, já com novelas exibidas de segunda a sábado e com os capítulos 90 e 91 sendo exibidos em dias separados, tal qual foram concebidos, a novela foi encerrada em um sábado!
Imortal
Odete Roitman pode ter sido assassinada nos capítulos finais da trama, mas a personagem defendida exemplarmente por Beatriz Segall permanece viva no panteão da TV brasileira. Bem como o texto icônico de Gilberto Braga, Leonor Bassères e Aguinaldo Silva. E tendo em vista os rumos que a política brasileira está tomando neste sombrio início de 2019, podemos supor que, se daqui a cinco ou sete anos houver uma nova reprise, o texto será tão atual quanto foi em 1988, 1992, 2010 ou 2018… Culturalmente belo, mas socialmente preocupante.
