Franklins Torres conversa com cineasta responsável pelo filme e série de TV
A reapresentação da série Cine Holliúdy chega ao fim esta noite na Rede Globo. Inspirada na filme homônimo lançado em 2013, a série fez um grande sucesso ao ser exibida originalmente em 2019. Por causa da pandemia de COVID-19, que obrigou emissoras de todo o mundo a suspender suas produções inéditas, a emissora da Família Marinho reprisou o título esse ano. Abaixo, uma entrevista exclusiva e inédita, feita pelo colunista Franklins Torres com Halder Gomes, roteirista e diretor do filme e coautor da série. A entrevista foi feita em 2019, quando Cine Holliúdy foi exibida pela primeira vez, mas devido a compromissos pessoais do colunista e também do editor do Projeto Lumi, só agora pôde ser editada e, finalmente, publicada. Um presente para nossos leitores e para os fãs desta série que vai deixar saudade pela segunda vez. Mas aqui vai uma dica: O filme está disponível em DVD e a série completa pode ser vista na plataforma de streaming Globoplay. Ah! E uma boa notícia: Em suas redes sociais, Halder divulgou hoje que, tão logo seja seguro voltar os trabalhos de produções inéditas, haverá, sim, uma segunda temporada da série!
Projeto Lumi
Como nasceu em Halder o Cine Holliúdy?
Halder Gomes
“O Cine Holliúdy vem das minhas lembranças no interior. Nasci em Fortaleza e com quinze dias de nascido fui morar em Senador Pompeu, Sertão Central, 300 Km de Fortaleza. O primeiro cinema que eu vi na vida foi um cineminha muito parecido com o do Cine Holliúdy. Cineminha precário, cadeirinha de madeira, sem ventilador muriçoca, projeção precária mais um cara muito apaixonado que se multiplicava. Também a interação do público com qualquer filme que passasse na tela e o repertório principal eram filmes de ‘kung-fu’ e alguns ‘westelings’. Esses cinemas eram, talvez, o único entretenimento nos interiores dos estados do Nordeste. E ficavam à margem do Grande Circuito de filmes que eram exibidos nas capitais. E esse foi o que me inspirou a fazer o artista contra o cabo do Mal, o curta metragem. Recordo no dia que eu estava no cineminha e o projetor travou e o cara se virou e contou um pouco da história.”
Projeto Lumi
Então, pode-se dizer que há um pouco de Halder Gomes no Francisgleydisson?
Halder Gomes
“Tem um pouco de alter ego no Francisgleydisson. Ele representa a luta para manter o cinema vivo, é a mesma luta que eu tive para transformar um sonho em um texto e num filme. Todas as incertezas, angústias e obstáculos do Francisgleydisson. Quando escrevi o roteiro do longa-metragem, ele estava relacionado a uma fase de incerteza se continuaria ou não. Foi minha cartada final. Ali era o fim e não tinha dado em nada ou o ponto de partida para algo maior. Então, eu transformava essas camadas mais dramáticas do personagem, atrelando, obviamente à comédia. Francisgleydisson é um personagem que tem muitas referências bibliográficas não só, mas vários recortes de outros personagens também que o fragmento em vários personagens.”
Projeto Lumi
Como começou sua relação com o Edmilson Filho e você consegue imaginar outra pessoa interpretando Francisgleydisson?
Halder Gomes
“Eu acho que quando você tem boas ideias e boas intenções, o universo trata de alinhar as coisas para que se tornem possíveis de acontecer. Eu tinha uma academia de taekwondo aqui em Fortaleza e um belo dia o Edmilson chegou com um aluno qualquer para se matricular. Mas logo percebi que ele era um menino muito focado, esforçado, dedicado e tinha uma força de vontade maior que a maioria das pessoas. Ele tinha um objetivo de ser campeão nas artes marciais. Foi o maior atleta que tive na minha academia, campeão brasileiro várias vezes, disputou seletiva olímpica, mas também era um cara que tinha um dom e uma genialidade absurda para comédia. Era o momento em que estava escrevendo o roteiro do curta-metragem e ele reunia em si várias características que dificilmente eu encontraria em uma pessoa só nas produções de elenco. Um cearense que conhecesse os filmes e praticasse artes marciais, extremamente engraçado e que representasse a cearensidade e o Edmilson era essa figura. O universo trouxe aleatoriamente para minha academia a pessoa que poderia tornar possível aquilo que eu escrevia.”
Projeto Lumi
A “química” entre os atores é excelente. A que você atribui essa “química” entre eles?
Halder Gomes
“Atribuo à minha forma de trabalhar. Eu estabeleço uma relação onde no meu set eu considero que todos têm a mesma importância, seja o assistente de produção ou quem está atuando. Todos temos a consciência de fazer parte de uma engrenagem em função de um filme e não somos o filme. Quando se estabelece essa relação onde há a consciência de que não estamos lá para ser estrela, mas para contar uma história e há uma relação de confiança e colaboração entre toda a equipe. Os atores propões-se entre si algo que melhora a cena e ninguém quer aparecer mais na cena e acho que isso é a grande sacada que eu tenho para os meus projetos.”
Projeto Lumi
O Cine Holliúdy quebrou todos os recordes no Ceará. Você esperava tanta repercussão desse filme?
Halder Gomes
“Não temos a dimensão do que pode acontecer, mas eu tinha alguns indicativos de que me davam uma luz que havia algo latente em potencial. Esse indicativo maior era o curta-metragem, O “Artista contra o Cabra do Mal”. Quando terminou o período dos festivais eu o coloquei numa locadora aqui no Ceará locadora em VHS. Coloquei despretensiosamente na locadora e aconteceu que na primeira semana ele não parou na loja. O primeiro grande lançamento da locadora naquela semana era o “Matrix” e o curta ficou na frente dele e de todos os grandes filmes de locação chegavam na locadora, óbvio que, dentro da proporcionalidade de cópias. Isso me mostrou que aquele filme, ainda que um curta metragem, caiu no gosto do público em geral e deixou um gostinho de quero mais. E não era comum naquela se assistir vídeos no YouTube, você precisava alugar uma fita e comecei a entender que havia algo muito maior ali. Essa demanda do público perguntando pelo filme e em um Festival do Rio onde ele foi exibido, a crítica de cinema Ana Maria que, inclusive, vota no Globo, afirmou que esse universo do curta e seus personagens são muito lúdicos e muito rico que merecia um longa metragem. Essas duas coisas: a opinião de uma expert e o clamor do público me levaram a tomar a decisão fazê-lo. Uma coisa importante no filme foi que ele materializou, tornou tangível a cearensidade. Ele tornou-se esse símbolo tangível de uma cultura popular. Ele transformou em orgulho o sentimento de cearensidade em alguns recluso, num momento também em que o Suricate Seboso também realizava isso. Tudo alinhou-se para que o filme fosse um divisor de águas para o próprio reconhecimento do que é cearensidade.
Projeto Lumi
Como surgiu a oportunidade de uma produção para a TV da sua obra mais icônica? Quais suas expectativas e receios com uma adaptação para a TV?
Halder Gomes
“Eu falei de alinhamento de planetas e você vai entender ao longo da minha fala. Quando o filme explodiu, coincidiu com a mudança da diretoria da Globo Filmes. Ela estava buscando agora criar a imagem de uma empresa que buscava um olhar mais plural para o que o Brasil produz, e não esse olhar recortado do que era produção entre Rio e São Paulo. E aí numa ação bem ousada que achei muito bacana, resolveram colocar o filme na TV aberta para o Brasil todo. Resolveram experimentar, fazer um grande laboratório. Temos aqui um produto pronto. Por que não? Exibiram à noite, muito tarde a ainda assim foi um “boom” de audiência. Então, viram que ali tinha um potencial de um Brasil que quer se ver mais e de forma muito autêntica. Foi quando veio a primeira conversa sobre transformar em uma série de TV. Eu já tinha filmado o Cine Holliúdy 2 e aconteceu tudo muito rápido. O principal receio não era meu, era deles, o medo de perder a essência. Não pode perder a essência, essa coisa tão singela e rica que é esse universo possui. Esse cuidado partia deles e eu achei muito respeitoso em querer trazer tudo que eles poderiam trazer para potencializar esse universo, sem nunca descaracterizá-lo.”
Projeto Lumi
Como foi trabalhar com atores consagrados como Matheus Nachtergaele, Heloísa Perisse, Letícia Colin, Miguel Falabela e Ney Latorraca – que retornou com seu papel icônico de Conde Vlad?
Halder Gomes
“O Cine Holliúdy foi um divisor de águas, também, no cinema nacional. Entender o Nordeste como grande mercado e não como uma coisa de fim de carreira. Não! É um filme que possui um carinho e carisma enorme. Todo mundo tinha vontade de fazer parte desse universo e a série de TV abriu essa oportunidade, porque os roteiros eram muito sedutores, o universo era muito carismático. Aquele era o meu mundo e eles queriam participar desse mundo muito particular, diferente de tudo aquilo que já tinham feito. Era uma relação de confiança mútua, de admiração muito grande. Trazer para aquele mundo, por exemplo, um ator de capacidade tremenda como Matheus Nachtergaele para esse universo com nomes como de Edmilson Filho, Haroldo Guimarães, Carri Costa e Solange Teixeira, pessoas que com o talento somado tornam-se muito além do esperado. E isso era o mais bacana, as pessoas vinham porque queria estar no projeto. Você ver atores com essa dimensão de História na sua carreira e totalmente desarmados, dispostos a aprender como era aquele universo. E aí quando você vê nos Episódios, as pessoas estão gostando de fazer aquilo, se jogando e confiando demais no que você tem ali para propor. A Letícia Colin, por exemplo, colocá-la nesse Trio ele é improvável, no ponto de vista teórico. Uma atriz dramática e que nunca tinha feito comédia. Como ela entra nesse universo e fica à vontade? Entende? Ficamos morando numa cidadezinha de dois mil habitantes. Criou-se uma irmandade. Quando terminou a filmagem, era tudo uma grande família com laços para sempre. Paralelo a isso, a proposta da Globo de cada episódio trazer dois atores convidados, permitindo que eu chamasse quem eu quisesse do Ceará para que não se perdesse a originalidade e a essência. Eu achei que eles foram muito carinhosos nesse sentido.”