Uma jovem e talentosa atriz; um desconhecido ator… Uma ilha misteriosa de beleza sem precedentes: Um clássico do cinema, um ícone da TV aberta!
Antônio Pedro de Souza
Quando a gente fala em filmes que se tornaram ícones da TV aberta brasileira, certamente um dos primeiros títulos que vêm à mente é “A Lagoa Azul”. E não é pra menos: o filme foi exibido, segundo a própria Rede Globo, vinte vezes ao longo das últimas três décadas. Parece que foi mais, não é mesmo? Mas é que o filme também deu as caras no SBT em princípio dos anos 2000. Mas como e por que esse longa-metragem se tornou um clássico absoluto da TV?
Um dos fatores que pode ajudar a explicar é a época em que o filme foi produzido: O longa foi lançado em 1980, o início de uma década em que o cinema se permitiu ousar e mostrar o que antes era proibido ou tido como tabu. Vale lembrar, por exemplo, que em 1959, Alfred Hitchcock havia tido sérios problemas para filmar aquele que se tornaria seu filme mais famoso: “Psicose”! Tanto o governo americano, quanto a Paramount Pictures estavam reticentes em liberar algumas das cenas mais icônicas do longa, consideradas violentas ou apelativas demais. Já em 1980, a própria Paramount lançou um dos precursores do slasher movie (ou terror sangrento): “Sexta-Feira 13”, que teve mais sangue e nudez que Psicose jamais mostrara.
Enfim, na década de 1980, o cinema vivia um novo momento de experimentação: os dourados anos 50 haviam ficado para trás, os conturbados anos 60 e os dançantes e polêmicos anos 70 também e a sétima arte passou a ter mais concorrentes diretos com a popularização da TV colorida e os vídeo-games. Assim, vários gêneros se reinventaram e nós tivemos uma das melhores safras de produções cinematográficas da história: no terror, títulos como o já citado “Sexta-Feira 13” e também “A Hora do Pesadelo” encheram as salas ao redor do mundo. Na comédia, o espaço foi voltado para o público jovem, com títulos como “Curtindo a Vida Adoidado” e “Clube dos Cinco” e o romance não ficou de fora.
Outro fator tecnológico ajudou a popularizar o cinema e fazer da TV uma aliada e não uma inimiga: o vídeo-cassete. A partir dos anos 80, era possível levar para casa seus filmes preferidos e de uma maneira relativamente mais barata. As fitas virgens também possibilitavam a gravação da programação da TV para assistir quando quiser.
Neste contexto histórico e tecnológico, surge “A Lagoa Azul”, estrelado por uma semi-desconhecida Brooke Shields e pelo estreante Christopher Atkins. Shields havia feito uma participação no terror “Alice, Querida Alice”, também conhecido como “Comunhão”, de 1976, entre outras produções posteriores e sua aparição em “A Lagoa Azul” rendeu uma dor de cabeça aos produtores, já que muitos consideraram inadequado que uma adolescente de 14 anos protagonizasse cenas de nudez e insinuação sexual como as vistas no filme. A polêmica foi grande já que Christopher, seu par em cena, já era maior de idade na época das gravações: o rapaz tinha 18 anos. Em sua defesa, a produção de “A Lagoa Azul” afirmou que Brooke não foi mostrada nua no filme: para as cenas em que a personagem é vista sem roupa na tela, foi usada uma dublê de corpo. Em outras cenas em que o rosto da menina tinha que aparecer e seu colo estava despido, foram usados apliques em seu cabelo, deixando-os mais longos e a essa peruca, foi aplicada uma cola para que ela se fixasse no corpo da atriz, evitando, assim, que seus mamilos aparecessem na tela.
Christopher e Brooke acabaram se relacionando também fora das telas, mas o namoro durou pouco tempo. Já em cena, eles protagonizam um dos mais inocentes e verdadeiros casos de amor do cinema.
A história começa com os primos Emmeline e Richard em um navio no Oceano Pacífico. Após um naufrágio, as duas crianças chegam a uma ilha acompanhados por um velho marujo. O homem tenta ensinar o básico para os pequenos, mas morre e eles se veem sozinhos e isolados. Com o passar do tempo, os jovens começam a perceber as mudanças em seus corpos e sentem uma inexplicável afetividade um pelo outro. É o início de um dos romances mais lembrados da história do cinema.
Curiosamente, o filme não fez sucesso entre os críticos e, embora tenha recebido uma indicação ao Oscar de Melhor Fotografia e outra ao Globo de Ouro, por Melhor Revelação Masculina para Christopher, o filme foi “premiado” com o Framboesa de Ouro de Pior Atriz para Brooke Shields.
Mas como nem sempre crítica e público seguem caminhos iguais, “A Lagoa Azul” abocanhou mais de 58 milhões de dólares só nos EUA, enchendo as salas de cinema no Verão de 1980. O filme estreou no dia 5 de julho daquele ano.
No Brasil, o filme só chegou em 12 de setembro de 1980 e, tempos depois, migrou para a TV aberta.
Vale explicar que antes da febre dos streamings, os filmes eram lançados nos cinemas, de lá – a partir da década de 1980 – saíam para home vídeo, o que fez surgir as saudosas vídeo-locadoras e só depois disso – entre três e cinco anos – é que iam para a TV aberta. Alguns títulos demoravam até mais tempo.
A Lagoa Azul chegou às telas da Globo em 1987 pelo SuperCine. De lá pra cá, o filme foi revisitado outras 19 vezes na Sessão da Tarde, o que o torna um dos filmes mais reprisados da TV aberta. Além disso, em princípios da década de 2000, o filme foi visto algumas vezes no SBT e voltou, finalmente, para a emissora carioca. Além de A Lagoa Azul, a Globo também exibiu a sequência De Volta à Lagoa Azul e Lagoa Azul: O Despertar, telefilme lançado em 2012.
E caso você ainda não saiba, o clássico de 1980 não é a primeira versão cinematográfica da obra. Antes dele, foram filmadas outras duas versões: a primeira, de 1923, ainda muda, e depois uma em 1949. Os filmes são baseados no livro A Lagoa Azul, de Henry de Vere Stacpoole, lançado em 1908. A sequência do livro, intitulada “O Jardim de Deus” serviu como base para De Volta à Lagoa Azul.
O filme também fez com que o herpetólogo John Gibbons descobrisse uma nova espécie de iguana. Quando viu o longa nos cinemas, o biólogo percebeu que alguns animais vistos em cena nunca tinha sido catalogados antes e partiu para a ilha que serviu de locação para averiguar a descoberta.
Em fevereiro de 2018, a Rede Globo fez uma enquete em seu Twitter para saber do público qual o filme havia sido exibido mais vezes pela emissora. As opções eram “A Lagoa Azul” e “Ghost – Do Outro Lado da Vida”, cartaz da Sessão da Tarde na ocasião. Ao fim da enquete, a emissora respondeu: A Lagoa Azul passou vinte vezes na tela do plim-plim, enquanto Ghost pôde ser visto 25 vezes. Depois dessa ocasião, nenhum dos dois filmes foi exibido novamente.
Aliás, vale uma curiosidade sobre a, até então, última aparição de “A Lagoa Azul” na Sessão da Tarde: ela ocorreu em 09 de março de 2017 e em novembro do mesmo ano, “De Volta à Lagoa Azul” foi mostrado no mesmo horário. Entre uma exibição e outra, porém, uma denúncia de um telespectador ao Ministério Público fez com que o filme perdesse sua classificação Livre e passasse a ser considerado impróprio para menores de 12 anos, o que impossibilitaria sua exibição na sessão de cinema que o consagrou. Vale lembrar, porém, que uma portaria do próprio Ministério Público desvinculou a classificação indicativa do horário de exibição da TV. Isso, pelo menos em teoria, indica que as emissoras podem veicular programas considerados “impróprios” em qualquer horário, devendo, porém, informar sua classificação adequada. Na mesma diretriz, o Ministério Público recomenda que as emissoras sejam cautelosas ao exibir certos conteúdos. Desde então, a Globo já exibiu as novelas Celebridade, Belíssima e Por Amor, com classificação 12 anos na parte da tarde, mas ainda não voltou a exibir “A Lagoa Azul”.
O fato é que o talento de Brooke e Christopher, que têm uma afinidade imensa em cena, aliado à beleza juvenil de seus corpos, que os fizeram se transformar em símbolos sexuais no começo da década de 1980 pode ter ajudado a tornar este um dos grandes clássicos do cinema de todos os tempos, além de um ícone, incontestável, da TV aberta brasileira.