Crítica: Morra, Amor

Novo longa de Lynne Ramsey chega a um nível quase caricato de miserabilismo ao redor da protagonista

Raphael Lages

“Morra, Amor” (Die, My Love, 2025, Lynne Ramsey) é constituído de pequenas vinhetas da vida de Grace (Jennifer Lawrence), após ter seu primeiro filho e se sentir abandonada dentro da própria relação romântica. Grace vive uma vida entediante e, consequentemente, enlouquecedora no campo. Os dias são longos e solitários, Jackson (Robert Pattinson), seu marido, sai de viagem a trabalho e, mesmo quando está lá, não é presente fisicamente para Grace. É um filme moroso, sobre uma vida morosa. A diretora Lynne Ramsey (Precisamos Falar Sobre Kevin, Ratcatcher) explora as formas como a vida vai tornando Grace mais instável através de vislumbres do seu dia, com algumas duas ou três situações que progridem conforme a condição da personagem se reafirma.

Filmes como esse, centralizado nas dinâmicas psicológicas de um casal com grandes momentos de conflito verbal elevado, já se tornaram clichê na academia americana. São esperadas as grandes atuações indicadas ao Oscar. Porém, Ramsey aqui é inteligente o bastante para passar da linha com as performances histriônicas de forma que atinja uma dimensão de humor mórbido, que não deixa os momentos serem genéricos. A Lawrence sabe transitar entre o trágico e o cômico como ninguém e raramente fez tão bem quanto em Grace. É uma personagem que reflete toda sua dor em acidez e tiradas secas. É um registro de personagem provocativa engraçadinha que a atriz sempre teve, mas aqui ganha essa linha dramática muito dolorosa ao redor. Pattinson também sabe levar seu personagem até para o humor físico, mas não chega a ser uma performance tão iluminada quanto a de sua parceira em cena.

Em teoria, não é um problema um filme como “Morra, Amor” se reiterativo e repetitivo, afinal, é uma personagem que está sendo constantemente negada e está presa numa estrutura de inerente repetição. Grace quer ser desejada, mas o namorado a negligência. O acúmulo dessa repetição vem através da performance de Lawrence, que se torna cada vez mais instável.  E isso é ótimo na primeira metade do filme, onde o trabalho consegue explorar com bastante textura e sensibilidade o dia a dia da protagonista. Porém, vira um problema quando Ramsey para de afirmar a repetição e a transforma em soluções simbólicas rasas para representar o que a personagem sente. E é um filme que se resume demais para conseguir de fato atingir as realizações que seus momentos mais morosos podiam trazer.

Ramsey recorre constantemente a retratar as personagens de forma animalesca, o que conversa com a ideia desses instintos físicos da protagonista não serem supridos. Mas a dinâmica se reafirma tantas vezes que, se já não era óbvia na primeira, fica só insuportável na décima. É uma ideia que parece ter algo a oferecer, mas acaba não se desenvolvendo e se contentando em ser um símbolo raso.

Em certo ponto, “Morra, Amor” chega a um nível quase caricato de miserabilismo ao redor da protagonista. E esses momentos tem o mesmo tratamento de seus dias monótonos. É uma montagem rápida que destaca um impacto subjetivo de momentos maníacos e enlouquecedores, o que pode até interessar para esse drama estático, mas é só muito pouco preciso em ápices onde a personagem está internada. Começou a me remeter o trabalho do Xavier Dolan na forma como a cineasta acredita que só piorar a situação da personagem é evoluir o texto, quando na verdade é uma reafirmação muito óbvia e básica de tudo que já estava em jogo desde a terceira cena.

***

Cotação por ossos:

3

***

Ficha Técnica:

Direção: Lynne Ramsay

Roteiro Lynne Ramsay, Enda Walsh

Elenco: Jennifer Lawrence, Robert Pattinson, Lakeith Stanfield Título original Die My Love

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