Crítica: A queda do céu

Documentário mostra a força das tradições indígenas e acende alerta sobre o cuidado com o planeta

Antônio Pedro de Souza

Uma longa tomada inicial que nos remete ao clássico “Vidas Secas”, de Nelson Pereira dos Santos. Assim começa o documentário “A Queda do Céu”, que mostra o cotidiano de povos originários.

A cena que abre o longa-metragem exibe um grupo de indígenas saindo de uma mata, rumo a um descampado. De longe, apenas silhuetas que ganham formas, contornos e crescem em quantidade, à medida que se aproximam da tela. Homens, mulheres, crianças. Dois cães, um preto e um branco, dividem espaço com esses seres humanos.

Em seguida, o narrador nos fala sobre a morte do líder, o xamã, e como a aldeia se comporta após o falecimento.  O corpo é cremado os “passos” do líder são apagados: seus pertences são destruídos, sua plantação é derrubada. A vida está para iniciar um novo ciclo.

Em meio à renovação, o novo líder do Yanomami revela a preocupação com o futuro de sua gente. Em determinado ponto ele reflete: “Só estamos aqui, porque ainda conseguimos manter os brancos longe. Se eu for picado por uma cobra ou adoecer, será que os Yanomami vão sobreviver? Será que alguém vai se levantar e falar ‘eu assumo o lugar a partir de agora.’?”

A preocupação não é em vão: a proximidade de garimpeiros ilegais, aumenta o risco de epidemias e confrontos, além da poluição e consequente destruição das reservas naturais.  Aproveitando esse gancho, “A Queda do Céu” ganhou uma exibição dentro da programação da COP30, que ocorreu entre 10 e 21 de novembro de 2025, em Belém, no Pará.

Eryk Rocha, diretor do longa, diz que “É emocionante ver o filme chegar aos cinemas no Brasil depois da belíssima trajetória realizada no mundo. A imagem da Queda do Céu trazida pelos Yanomami e por Davi Kopenawa é uma síntese precisa das questões mais urgentes do nosso tempo e do nosso país. O Brasil não se sustenta sem a escuta profunda dos povos indígenas, e o filme é um convite para essa escuta.”

Gabriela Carneiro da Cunha, ressalta que “é uma alegria chegar ao Brasil com ‘A Queda do Céu’ e poder trazer para os próprios brasileiros as palavras desse imenso pensador Yanomami. Muitos aqui ainda não conhecem a força do pensamento de Davi Kopenawa. O filme é um convite para ver, ouvir e sonhar com os Yanomami um outro projeto de Brasil”. 

Vencedor de 25 prêmios nacionais e internacionais,“A Queda do Céu” teve a sua première mundial no Festival de Cannes, dentro da prestigiada Quinzena dos Realizadores. O líder Yanomami Davi Kopenawa é personagem central do documentário, sendo acompanhado juntamente com a comunidade de Watorikɨ ao longo do importante ritual Reahu. O longa é baseado no livro homônimo escrito pelo xamã e pelo antropólogo francês Bruce Albert.

 “A Queda do Céu” participou de 80 festivais no Brasil e no mundo e, entre os prêmios recebidos, venceu o Grande Prêmio do Júri da Competição Kaleidoscope do festival DOC NYC, o maior festival de documentários dos Estados Unidos da América; o Prêmio Especial do Júri da Competição Internacional no DMZ Docs 2024 (Coreia do Sul), o maior da Ásia; Prêmio de Melhor Som e Melhor Direção de Documentário no Festival do Rio (Brasil); os Prêmio ABC 2025 (Brasil) nas categorias Melhor Direção de Fotografia, Melhor Montagem e Melhor Som; Melhor Longa Metragem Documentário Internacional no 27º Festival Internacional de Cinema de Guanajuato GIFF 2024  (México); Prêmio Fundação INATEL no Festival DocLisboa 2024 (Portugal); e o Prêmio Principal Fethi Kayaalp no Festival Internacional de Documentários Ecológicos de Bozcaada 2025 (Turquia).

O filme é um retrato cruel de como a ganância pode colocar em risco a vida dos povos originários e destruir a natureza em áreas remotas da Floresta Amazônica. O diálogo com as discussões presentes na COP30 é inevitável e, embora os acordos assinados não tenham dado passos largos rumo à salvação do planeta e dos povos originários, a junção do filme e do evento, obrigam a uma reflexão: até quando nosso planeta irá aguentar? Até onde os humanos irão com sua ganância?

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Cotação por Ossos:

10

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Ficha Técnica:

Direção e Roteiro: Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha  

Com  Davi Kopenawa, Justino Yanomami, Givaldo Yanomami, Raimundo Yanomami, Dinarte Yanomami, Guiomar Kopenawa, Roseane Yariana e comunidade de Watorikɨ 
Produtores: Eryk Rocha, Gabriela Carneiro da Cunha e Donatella Palermo 
Produtor Associado: Richard Copans 
Direção de Fotografia e Câmera: Eryk Rocha e Bernard Machado 
Câmera Adicional: Morzaniel Ɨramari e Roseane Yariana 
Montagem: Renato Vallone 
Som Direto: Marcos Lopes 
Desenho de Som: Guile Martins 
Mixagem de Som: Toco Cerqueira 
Color Grading: Brunno Schiavon, Giovanni Bivi 
Consultoria: Bruce Albert, Ana Maria Machado, Dário Vitório Kopenawa, Morzaniel Ɨramari e Marília Senlle 
Assistente de Direção: Mariana de Melo 
Produção Executiva: Heloisa Jinzenji e Tárik Puggina 
Direção de Produção: Margarida Serrano 
Tradução Yanomami: Ana Maria Machado, Richard Duque, Corrado Dalmonego, Marcelo Moura e Morzaniel Ɨramari 
Produção Local: Lidia Montanha Castro e Naira Souza Mello 
Gerente de Projeto: Lisa Gunn 
Designer: Sofia Tomic, Camilla Baratucci 
Produção: Aruac Filmes 
Co-produção: Hutukara Associação Yanomami, Stemal Entertainment com Rai Cinema 
Produção Associada: Les Films d’Ici  

Distribuição Brasil: Gullane+ 

Distribuição França: La 25ème Heure 

Distribuição nos EUA: KimStim Films

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Galeria de Fotos:

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