A franquia “Tron” nunca teve um grande sucesso. Digo tanto financeiro quanto criativo. É até
difícil de chamar de franquia, o projeto parece ser mais algo transmídia do sobre cinema em si.
“Tron: Uma Odisséia no Espaço” (1982, Steven Lisberger) vinha para acudir a crise da Disney e
a falta de um grande blockbuster na veia dos Star Wars que dominavam a bilheteria, mas teve
um sucesso moderado nos cinemas e ganhou renome (e dinheiro) no jogo de árcade inspirado
pelo filme. O filme é um festival de efeitos visuais que é quase incoerente como narrativa, mas
ganha expressividade das pequenas abstrações e dos vislumbres de ambição observáveis no
filme. A trilha sonora da visionária Wendy Carlos e os visuais de computação gráfica
embrionária, conferem ao filme um senso mágico surreal de imaginar um futuro em seu início,
que fazem dele talvez o único real proponente da estética nostálgica oitentista “Vaporwave”,
que a internet criou década passada.
28 anos depois, a franquia volta as telonas com “Tron: O Legado” (Tron: Legacy, 2010, Joseph
Kosinski). Também um sucesso moderado na bilheteria, também um fracasso moderado
criativo. O filme de Joseph Kosinski já tem uma narrativa mais amarradinha, fazendo acenos ao
filme de 82 mas nunca se prendendo a ele. Vão-se os visuais cartunescos e surreais, chega
atmosfera sombria e fotografia asséptica que os anos de 2010 herdaram do Christopher Nolan.
E, com isso, um filme um pouco tedioso. O grande problema de “Tron: O Legado” vem nos
personagens desinteressantes e protagonista inexpressivo, que parece condenar o filme a ser
outro espetáculo visual – Kosinski tem uma atenção particular para a arquitetura do mundo
digital, que sabe ser muito expressiva dentro da estética minimalista realista do longa – mas
pouco emotivo. A sequência de Kosinski, por mais questão que fazia de operar como um filme
isolado, também parecia timidamente apontar para futuras sequências e uma construção de
universo. Não aconteceu.
Porém, ambos os filmes foram agregando seguidores com o tempo. Seja o filme original no
período de 28 anos ou “O Legado”, nos últimos 15. Em 2025, temos o terceiro episódio da
franquia em “Tron: Ares” (2025, Joachim Rønning). O longa abre com uma pequena montagem
de notícias, re-contextualizando o universo em relação a “Tron: O Legado” e estabelecendo as
prioridades do novo longa. “Ares” tem uma relação similar com “O Legado”, que este último
tem, por sua vez, com seu predecessor. Tenta ao máximo se manter independente, enquanto
ainda respeita o legado do filme anterior, enquanto de alguma forma também presta
homenagem ao filme de 82.
O filme conta a história do programa de defesa Ares (Jared Leto), criado por Julian Dillinger
(Evan Peters), herdeiro do grande vilão do primeiro longa, para ser o Programa de Controle
Mestre. Ares é anunciado como o combatente perfeito – preciso, impessoal e, mais
importante, perfeitamente dispensável. Porém, as coisas mudam quando Ares é trazido para o
mundo real, se mistificando com a chuva, natureza e, finalmente, com a humanidade de Eve
Kim (Greta Lee), a CEO da ENCOM – empresa rival de Dillinger.
O Ares de Jared Leto deve ser o melhor protagonista da franquia até então. O que não é dizer
muito, já que a barra estabelecida pelo filme anterior era “coerente”. Ares começa como uma
máquina de combate mas tem sua jornada de Pinóquio, se descobrindo e transformando
humano a partir de seus contatos com o mundo. É um arco básico e que, mesmo assim, como
de costume na franquia, vai gerar seus momentos vergonhosos dramaticamente. Mas essa
dimensão de drama elevado, que se relaciona diretamente as dinâmicas de videogame da
franquia, é a melhor linha narrativa que a franquia conseguiu até hoje. O trunfo é conseguir
usar do drama como objeto da ação – é um programa de combate com diretrizes claras e que,
conforme o longe, vai aprendendo a desrespeitar elas. Cada novo embate, revela facetas
diferentes do personagem de Jared Leto. O ator faz um trabalho competente na
impessoalidade e passa vergonha quando tenta navegar a área mais complexa do personagem.
Dito isso, passa vergonha dando a cara a tapa. A cena bizarríssima em que Leto precisa
navegar o cômico e o dramático enquanto descreve como seu amor por Depeche Mode lhe fez
entender a humanidade é das coisas mais memoráveis da franquia até agora, para melhor ou
pior. Definitivamente mais interessante do que o Garett Hedlund e o Jeff Bridges conciliando
seus problemas paternos.
A personagem da Greta Lee é o centro humano do filme, mas não tem muito para trabalhar.
Existe uma busca da personagem por fazer jus a irmã morta, que é totalmente afogada pelo
espetáculo e bem pouco interessante como conceito. As interações entre Eva e Ares tentando
trazer esse humor desastrado, são desajeitadas para ser generoso. O filme ainda parece
ameaçar criar uma química romântica entre os dois, mas por sorte falha tão miseravelmente
que só sobram rastros disso para quem tiver atento. Nenhuma tentativa de humor
(intencional) do longa é muito efetiva, mas ainda assim, é uma dupla divertida de assistir. A
performance mais espaçosa e autoconsciente da Lee conversa bem com essa entrega muito
sincera do Leto.
Na fase atual da Disney e com um diretor como o Joachim Ronning no comando, é esperado
que Tron: Ares seja um filme seguro. E não só isso, como também queira ser uma base para
uma possível futura franquia aqui. Com direito a cena pós-créditos (uma alucinação com a
semiótica própria da franquia) e diversas pontas abertas. É uma pena que uma marca do
blockbuster contemporâneo seja ser incompleto. Seja se interromper com momentos que vão
anunciar futuros longas e não se contentar em ser seu próprio fim.
Não só por isso, mas “Tron: Ares” é o filme de Tron com menos artesanato até hoje. Se até
agora, todos os filmes eram sucessos mistos criativos, a parte positiva se dava a um carinho
com o mundo que era criado. A Rede do Linsberger era um imaginário de computação
primitivo, um mundo virtual que se pautava na própria artificialidade. A Rede de Kosinski já
tinha mais textura e partia de um realismo atencioso com os espaços. Aqui, perde-se qualquer
fator mais surreal que os filmes anteriores traziam e parece só uma cinemática de videogame.
Nesse sentido, esse filme é mais próximo do filme de 82, onde a Rede é uma animação de CG
com os rostos e corpos dos atores inseridos ali. O filme perde toda a dissonância surreal dos
filmes anteriores.
Porém, também é o filme com mais pulso da franquia. Muito por conta de Trent Reznor e
Atticus Ross, que não só assinam a trilha como Nine Inch Nails mas também tem crédito de
produção executiva. A dupla fez questão de que as músicas tocassem nas caixas de som da
frente do cinema, as vezes conferindo à “Ares” um elemento de filme conserto. Nine Inch Nails
injeta não só essa energia dançante de música digital corrompida como também alguma
audácia e personalidade para o filme. Se o filme muitas vezes toma os caminhos seguros, a
dupla de compositores toma tanto a frente de “Tron: Ares” que faz o projeto parecer radical
em momentos. Pode até faltar imaginação visual da conceptualização desse novo Tron, mas a
câmera propulsiva de Ronning, sempre buscando impacto, encontra-o ao se chocar com essa
sonoridade dura, processada e explosiva do Electro-Industrial. A impressão é que a dupla
queria projetar vida no projeto e eles fazem o filme deles.
