Crítica: Invocação do Mal 4

Luca Ramalho Rizzuti

Lançado originalmente em 2013, o terror Invocação do Mal”, de James Wan, surpreendeu por conseguir, em um gênero cada vez mais desgastado por clichês e por obviedades, construir um clima de tensão constante não a partir de truques baratos, mas de uma direção cuidadosa que investia na atmosfera em vez de apenas em acordes altos na trilha sonora ou de gatos que saltavam do escuro sobre os heróis.
Muito me impressiona até hoje e, ao mesmo tempo, muito me encanta o modo como James Wan constrói a presença do sobrenatural neste primeiro filme da franquia. É algo lento e gradual, uma aparição que é introduzida, posta ali com muita paciência! Insinua-se e emerge aos poucos.
Até surgir em toda sua potência.
O terror tem uma inquietante estranheza: bate palmas do jogo de “cabra-cega”, puxa os pés à noite, derruba quadros de fotografias das paredes. É muito interessante como se dá a atividade demoníaca e dos fantasmas naquela casa.
Essas manifestações estão a serviço de um Mal maior, uma Entidade poderosa, que, por sua vez, é potencializa pelas energias de um demônio maior.
Ed e Lorraine Warren se tornam o núcleo do core emocional da narrativa. O eixo emocional é deles e conduzido por eles. Eles lidam diretamente não só com o sobrenatural, mas se tornam o coração da história, pois absorvem e lidam com as camadas sensíveis e mais frágeis da família Perron. Afinal de contas, é disso que o Mal se alimenta. E disso que se alimentou.
Era uma abordagem tão intrigante que chegava a usar uma assustadora boneca não como parte essencial da trama, mas apenas como coadjuvante para ajudar a estabelecer o tom da narrativa – e, considerando o sucesso daquele projeto dos idos de 2013, creio que era inevitável que esta pré-continuação, que se concentra justamente no tal brinquedo, fosse produzida. A boa notícia é que dali, com “Annabelle”, de 2014, surgiria uma série de sequências e filmes derivados deste mesmo universo. “Invocação do Mal 2” (2016), por exemplo, é um longa relativamente eficiente, mas não chega aos pés da força do primeiro.
A má notícia é justamente isso, também: se por um lado, isso veio como presente para os fãs deste universo, enquanto franquia, ao mesmo tempo nada garantiu que todos eles tivessem a mesma qualidade.

E quando Michael Chaves pegou pela primeira vez a direção de alguma produção desse universo, com “A Maldição da Chorona” (2019), a coisa começou a degringolar feio ainda mais… até ele assumir “Invocação do Mal 3” (2021) e, por fim, chegar a “Invocação do Mal 4” (2025).
Mas calma e alto lá. Parece que já estou anunciando o apocalipse, mas nem tudo está perdido e não é para tanto assim na franquia. O quarto filme, portanto, contudo, nada tem de tão problemático e, muito menos, é desastroso. Apenas é aquém demais. E não entrega uma digna “celebração” como acha que o faz e como
prometeu, já que isso é tão típico de filmes de encerramento de sagas. O desfecho precisa vir com tons quase epopeicos, épicos, não basta contar uma história, propor um trato com a linguagem artística cinematográfica em questão ou encerrar ciclos. Precisa celebrar tudo o que foi feito até ali.
E gosta-se muito de escalas, especialmente pelo que é feito no mainstream.
Entretanto, consegue ser melhor que o antecessor – o que também não era muito difícil, já que é comum anunciarem a opinião de que o terceiro é o pior da saga –

Embora trate do trabalho dos demonologistas Ed e Lorraine Warren, o primeiro “Invocação do Mal” não toca num ponto polêmico da carreira do casal, as acusações de adulterar casos paranormais – como o famoso ocorrido em Amityville em 1975 – para exagerá-los em adaptações ficcionais, em livros e no cinema.
De qualquer forma, o tom “documental” que o diretor James Wan usa de início, como se estivéssemos diante de um programa investigativo de TV sobre os Warren, com uma introdução pedagógica antes da cartela de créditos, ajuda a dar a “Invocação do Mal” não só uma cara de terror-baseado-em-fatos, como gosta de se vender, especialmente no terror mainstream, mas principalmente dá um clima de desafetação.
Ed e Lorraine, vividos por Patrick Wilson Vera Farmiga, são chamados a investigar uma potencial tentativa de possessão no novo e afastado sobrado de um casal com cinco filhas. Quando surge a família no casarão mal-assombrado, nessa pegada desafetada, eles parecem “gente como a gente”, e isso é crucial para colocar o espectador do filme.
O segredo, antes de mais nada, está na escalação. Nomes como Farmiga e Wilson trazem consigo personas de credibilidade, pelos dramas que já estrelaram no cinema ou na TV, mas é Lili Taylor o trunfo de Wan. Ela tem a fragilidade das grandes mães dos filmes de terror, como a Ellen Burstyn de “O Exorcista”, de William Friedkin, ou a Mia Farrow de “O Bebê de Rosemary”, de Roman Polanski – não uma fragilidade de vítima, mas de quem, apesar dos seus hercúleos esforços, não tem como lidar com um demônio sozinha. Daí, a necessidade de recorrer ao casal Warren.

E o mesmo vale para a família de Peggy Hodgson (Frances O’Connor) no segundo filme. Ou a família de David Glatzel (Julian Hilliard) – o garotinho que deve ser exorcizado – no terceiro filme.

Neste quarto filme, por exemplo, temos uma cena envolvendo Tony Spera (Ben Hardy), o noivo e futuro marido de Judy Warren (Mia Tomlinson), a filha quase natimorta do casal Warren, só quem assistir a esse quarto filme vai entender isso.

Bom, na cena, Tony chega a Ed e lhe pergunta, todo inocente, bonachão e brincalhão: – “Este é como um caso normal?”.

Ed lhe retruca, sério: – “Não há casos normais. Nenhum é.”

Tony volta a indagar: – “Bom, em todos fazem panquecas assim?”

Parece que pinta um clima tenso e sério ali como se a pergunta tivesse realmente tivesse sido imprópria, e eis que Ed responde e os dois riem e se divertem: – “Às vezes são waffles”. E ainda completa: – “Claro que é diferente. Com cada família é diferente. Cada caso é um. A única coisa comum sempre é o medo.”

E realmente, um fator invariável e observável sempre, em todas as famílias dos quais os Warren investiga casos, é o medo absoluto. Do desconhecido. Do incerto. Do além. Do demônio. Do Mal absoluto. Isso é o que confere fragilidade e vulnerabilidade, facilita os dilemas do fator de drama hano na narrativa e é a força-motriz do core emocional dos filmes da franquia.

Ok, o cineasta por vezes não resiste às possibilidades do digital ao criar movimentos de câmera que falham por chamarem a atenção para si mesmos (quantas vezes teremos que ver um plano no qual “atravessamos” uma janela enquanto um efeito sonoro tolo pontua a travessia?) e, da mesma maneira, um dos espíritos vistos aqui é artificial demais em sua natureza de animação, mas na maior parte do tempo Wan demonstra uma disciplina admirável, construindo seus sustos com calma e inteligência. É notável, por exemplo, como ele nos posiciona junto aos personagens em dois momentos nos quais estes se encontram sentados no chão, tornando os arredores grandiosos e ameaçadores, e também como emprega a câmera subjetiva em determinado ponto para gerar suspense quando o personagem em questão está com a habilidade física debilitada, comprometida.

E mais uma vez, baseado em uma história real (ah, claro, assim como “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis”, imagino), esta quarta continuação traz o casal Lorraine e Ed Warren (Farmiga e Wilson) investigando os eventos sobrenaturais ocorridos numa vizinhança humilde da Pensilvânia, de 1986, na casa da família Smurl.

E curioso como a ameaça do filme tinha a ver tão somente com um objeto (um espelho velho) e um demônio do passado dos Warren, que quase lhes tirou a Judy, a próproa filha ao nascer. Aliás, foi isso que a fez nascer prematura. E óbvio que esse espelho vai parar, ao final, no museu dos Warren de artefato amaldiçoados da carreira de ambas as personalidades. Selando, assim, não apenas a entrada de Tony na família, não apenas o encerramento de mais um e último caso, de vez; mas o casamento peefeito de todos os fatores até aqui, dando um senso de culminância para os filmes da franquia.

Como menciomei no meu texto de “A Hora do Mal” (leia aqui), muitos filmes e muitas franquias atuais, por exemplo, acabam presas a essa ideia de propor um “tudo ou nada”, de eventos que prometem redefinir todo aquele mundo pra que se tenha um interesse pela continuação. Aqui o pessoal parece muito mais ligado em uma lógica serial de um quase matinê de horror ou algo do tipo.
O que faz do longa algo muito mais interessado em dinâmicas diretas do horror do que em apelos evidentemente industriais que apenas explorariam o branding comercial de filmes do gênero.

A única boa notícia então é que o diretor Michael Chaves, e a única boa notícia que vem dele, não apenas assume o timão da franquia desde o terceiro longa com propriedade como também coloca os demonologistas Lorraine e Ed Warren numa posição que parece ser uma evolução natural para os personagens, agora promovidos praticamente a vigilantes num embate superpoderoso com vilões mágicos. Se o “Maligno” de James Wan tem muitos ecos de Wes Craven, a matriz setentista e oitentista destes “Invocação do Mal 3 e 4” é Clive Barker em “Hellraiser” e “A Profecia”, de Richard Donner: o jogo expressionista de luzes e sombras deste filme lembra o “Hellraiser” de Barker no seu vigor, o que mais uma vez comprova que a renovação do horror (validada nessas referências consagradas do gênero) não se deixa impedir por pudores.

Se esse quarto filme, de desfecho, faz valer a celebração final da franquia, como falei, deixo para os espectadores examinarem, cada um a seu gosto. Bom, eu não achei nem de longe o caso mais tenebroso dos Warren (só por que está ligado a um trauma do passado deles?!), mas quem sou, não?! Isso já é outra história.

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