Trama de Benedito Ruy Barbosa estreia nesta segunda, na faixa “Edição Especial”
“Martirio, tormento d’amore…”
Quem ligava a TV após às 20h30 entre o fim de 1999 e meados de 2000, certamente se deparava com essa música sendo entoada na abertura da novela Terra Nostra, um sucesso arrebatador, que prendeu os espectadores naquela virada de milênio. Escrita por Benedito Ruy Barbosa, a trama tanto podia se assemelhar às suas obras rurais de maior peso, como “Pantanal”, “Renascer” e “O Rei do Gado”, quanto dava continuidade à sua saga típica de imigração italiana para o Brasil, iniciada na década anterior, na TV Bandeirantes, com “Os Imigrantes” e que se encerraria em “Esperança”, na própria Globo, três anos depois.
O fato é que, mesmo com semelhanças de tramas e até de elenco, Terra Nostra se tornou um clássico único, cujas lembranças até hoje permeiam no imaginário popular do público televisivo, o que faz desta reprise, chamada de “edição especial”, uma excelente oportunidade para rever ou conhecer a obra.
Mas o que ajudaria a explicar o fenômeno que foi a novela? Bem, além do talento indiscutível de Benedito Ruy Barbosa para explorar o tema da imigração e a cultura ítalo-brasileira, do elenco com nomes de peso como Antônio Fagundes e Raul Cortez e da bela juventude exposta na tela em nomes como Ana Paula Arósio, Maria Fernanda Cândido e Thiago Lacerda, podemos pensar também no contexto da época em que Terra Nostra foi ao ar.

Havia um misto de emoção, ansiedade e esperança naquele momento: Era o fim de 1999, com a chegada do tão aguardado ano 2000 cada vez mais próxima. Embora, oficialmente, se considere o começo do novo século e do novo milênio apenas em 1º de janeiro de 2001, o imaginário popular, as crenças e superstições viam a grande virada, de fato, no momento em que 1999 desse lugar a 2000. Assim, festas e celebrações foram pensadas para este grande momento.
No Brasil, em especial, havia ainda a comemoração dos 500 anos do Descobrimento do Brasil (da chegada dos portugueses em território brasileiro). Havia até uma contagem regressiva todos os dias antes do Jornal Nacional, aguardando o 22 de abril de 2000.
Economicamente falando, o país não estava muito bem, mas o susto da hiperinflação vista na década de 1980 estava ficando para trás e o Real se consolidava como moeda, cerca de 5 anos após sua implementação. Fernando Henrique Cardoso ocupava seu segundo mandato como presidente da república e, culturalmente falando, vivíamos tempos bem diferentes do que havia sido a década passada e dos quais vivemos hoje.
Com a promulgação da nova Constituição Federal, a censura prévia aos meios de comunicação havia sido extinta em 1988 (“Vale Tudo”, de Gilberto Braga, Leonor Bassères e Aguinaldo Silva foi a última novela a ter cenas passadas pelo crivo dos censores) e a TV aberta pôde ter um respiro de liberdade. Assim, havia sido possível as aberturas sensuais de “Tieta” (1990) e “Pedra Sobre Pedra” (1993), a famosa Banheira do Gugu ao longo de toda a década e apresentações de grupos musicais que dividiam opiniões como os saudosos Mamonas Assassinas, É o Tchan (Gera Samba) e Companhia do Pagode.
Quando 1999 chegou, trazendo este misto de apreensão e esperança para o novo milênio, o formato da TV aberta pós-ditadura parecia estar consolidado, com poucas mudanças visíveis a caminho. Mas não era bem isso que se revelaria nos meses e anos seguintes.
Na Globo, havia uma preocupação com a audiência: O Domingão do Faustão começava a patinar perante o Domingo Legal e as novelas, naquele finzinho de século não despertavam o mesmo interesse do público, que obras anteriores. A emissora, claro, continuava líder de audiência, mas tramas como “Suave Veneno”, às oito; “Andando nas Nuvens”, às sete; “Força de um Desejo”, às seis; e “Malhação.Com”, às cinco e meia, não tiveram o impacto e a força de tramas de outras épocas.

Indo por horários, “Malhação” havia deixado de ser novidade e vinha perdendo boa parte do público jovem. Em 1998, estreou a temporada “Malhação.Com”, com uma proposta de unir a internet – ainda engatinhando no Brasil – à boa e velha teledramaturgia. A trama até ganhou um ar de novidade, mas seguiu patinando na audiência, tendo se recuperado apenas com a estreia do formato “Múltipla Escolha”, no fim de 1999.
Na faixa das 18h, a Globo não via um “estouro” de audiência desde “Anjo Mau” (1997-1998). “Era Uma Vez…”, sua substituta, tinha um público fiel, mas precisou ter alguns reparos no percurso, “Pecado Capital” (1998-1999) foi mais achincalhada que a refilmagem de “Vale Tudo”, e “Força de um Desejo”, mesmo com o texto primoroso de Gilberto Braga, também não apresentou números tão expressivos quanto os esperados para a época. O horário só se recuperaria de fato com a estreia de “Esplendor” (1999) e se consagraria com “O Cravo e a Rosa” (2000-2001).
No horário das 19h, o problema de audiência também era visto com preocupação, já que o grande último marco no horário havia sido “Quatro por Quatro” (1994-1995), de Carlos Lombardi. Todas as tramas posteriores tiveram altos e baixos e, embora cada uma tenha tido um público cativo, que lembra com carinho das tramas até hoje, nenhuma foi um sucesso estrondoso. São elas: “Cara & Coroa” (1995-1996), “Vira Lata” (1996), “Salsa & Merengue” (1996-1997), “Zazá” (1997-1998), “Corpo Dourado” (1998), “Meu Bem-Querer” (1998-1999), e “Andando nas Nuvens” (1999). O horário ainda teria “Vila Madalena” (1999-2000) e, enfim, um novo sucessor arrebatador (também de Carlos Lombardi) com “Uga Uga” (2000-2001).
Por fim, a faixa das 20h também passava por percalços: Depois do sucesso de “Por Amor” (1997-1998), com a marcante troca de bebês feita por Helena (Regina Duarte), o horário passou por queda na audiência com “Torre de Babel” (1998-1999), que precisou fazer vários ajustes na trama para reconquistar o público; e “Suave Veneno” (1999), que prometia ser uma novela ousada, com mudança de foco narrativo a cada 30 capítulos, mais ou menos, e que, ao não conquistar o público, precisou ser alterada para um folhetim clássico movido à boa e velha vingança.
Enfim, “Terra Nostra” estreava, então, com a responsabilidade de salvar não apenas o horário das oito, como também dar uma lufada de ar novo a todo o departamento de teledramaturgia da Globo.
A produção foi primorosa, com as cenas iniciais gravadas a bordo de um navio na costa italiana e imagens de arquivos que mostravam cenas reais da Itália e do Brasil da virada dos séculos XIX para XX. Para os primeiros capítulos, foram gastos cerca de R$1,2 milhões, chegando a cerca de R$4 milhões apenas no primeiro mês. O navio mostrado nos capítulos iniciais era o S.S. Shieldhall, de 1940. Ele estava na costa da Inglaterra e foi adaptado, tornando-se o Andrea I, da novela. Aliás, são vários os momentos marcantes a bordo da travessia do Atlântico: O primeiro encontro de Matteo (Thiago Lacerda) e Giuliana (Ana Paula Arósio), remetem o público a um clima de “Titanic” (1997). Até a fotografia e os ângulos da câmera reforçam a referência. Ali nasce o amor dos jovens, que enfrentarão inúmeros percalços ao longo da trama. Depois, claro, vem um surto de febre na travessia, com várias mortes – incluindo os pais de Giuliana e com Matteo doente.

Por fim, um dos momentos mais emocionantes: o bebê de Bartollo (Antônio Calloni) e Leonora (Lu Grimaldi) é dado como morto. Cabe a tripulação jogar a criança no mar, como fizera com todos os mortos na travessia, para desespero dos pais, que tentam proteger a filha. A cena, com uma forte carga dramática, tem um desfecho feliz: No último segundo, o bebê chora e é salvo antes de ser atirado nas águas. A cena do desembarque no Porto de Santos, na primeira semana, contou com a presença de mais de 300 figurantes, marcando a primeira virada na novela: a inevitável separação de Matteo e Giuliana.
Aliás, o público que reclama de Raquel sofrer e se dar mal em “Vale Tudo”, deve estar preparado para a reprise de Terra Nostra: Giuliana penou ao longo dos 221 capítulos originais: perdeu os pais na viagem rumo ao Brasil, foi separada de seu grande amor, descobriu-se grávida, casou-se com o filho do amigo de seu pai, teve o filho raptado pela sogra, reencontra Matteo apenas para descobrir que ele estava casado e custa para encontrar o próprio filho.
Enfim, é muito sofrimento para uma mocinha de novela das oito.
Terra Nostra conseguiu, então, o tão esperado alívio na audiência teledramatúrgica da Globo: Com picos de 58 pontos no Ibope, ela foi considerada um sucesso para época e, mesmo que o público tenha perdido o interesse durante a longa “barriga” da novela (uma das “barrigas” mais famosas e lembradas das novelas, com vários capítulos “vazios” mostrando Giuliana amargurada e chorando), a trama fechou com 44 pontos de média, cedendo lugar para outro sucesso arrebatador de 2000: “Laços de Família”.
Ideias:

A saga da imigração esteve presente em “Os Imigrantes”, projeto que a Globo recusou na década de 1980 e que a Band abraçou. Depois de ter recusado a ideia de “Pantanal” (1990) e visto a Manchete ameaçar sua hegemonia, emissora da família Marinho não abriu mais mão de Benedito Ruy Barbosa, dando a ele o aval para “Renascer”, “O Rei do Gado” (que também mesclava elementos italianos) e, finalmente, “Terra Nostra”.
A ideia inicial é de que a novela tivesse três fases, cada uma centrada num núcleo de personagens. Inicialmente, Matteo e Giuliana e, nas décadas seguintes, o filho dos protagonistas. Algo parecido com o que já havia ocorrido nas novelas anteriores do autor, citadas acima.
Porém, o sucesso do casal foi tão grande que Benedito não mexeu no time que estava ganhando. Assim, Ana Paula Arósio e Thiago Lacerda mantiveram seu protagonismo pelos 221 capítulos da novela, fazendo dela um folhetim convencional em que o casal principal se conhece, se apaixona, é separado por artimanhas de terceiros, se reencontra e tem seu aguardado final feliz.
Futuro:

Ao fim do último capítulo, Terra Nostra não exibiu o tradicional “Fim”, mas a frase “Esta história não termina aqui.”, dando a entender que poderia haver uma continuação. De fato, com o sucesso da novela, Benedito Ruy Barbosa começou a desenvolver a sinopse de uma sequência, com os elementos que poderiam ter sido abordados nas fases que foram descartadas da sinopse original.
Porém, em 2000, poucos meses após o fim da novela, o autor Lauro César Muniz estreava a minissérie “Aquarela do Brasil”, que trazia no elenco alguns nomes da novela, como Maria Fernanda Cândido e Thiago Lacerda e cujo enredo era parecido com o que Benedito pretendia usar em sua nova trama. Assim, ele descartou sua ideia original e apresentou a sinopse de “Esperança”, novela que foi ao ar entre 2002 e 2003, sem repetir os mesmos feitos de Terra Nostra.
Na Itália, porém, onde a novela de 1999 fez um grande sucesso, “Esperança” passou a se chamar “Speranza: Terra Nostra 2”.
Benedito ainda escreveria para a Globo as refilmagens de “Cabocla” (2004), “Sinhá Moça” (2006), “Paraíso” (2009), “Meu Pedacinho de Chão” e a inédita “Velho Chico” (2016). Após isso, seu neto Bruno Luperi se encarregaria das refilmagens de “Pantanal” e “Renascer”.
Contexto:

Enquanto esteve no ar, Terra Nostra viu uma verdadeira revolução na TV: Serginho Groisman e Jô Soares deixaram o SBT e foram para a Globo, Ana Maria Braga deixou a Record e Luciano Huck deixou a Band, transferindo-se, ambos, para a emissora carioca. Na Tela Quente, principal porta de entrada de filmes na TV aberta na época, foram exibidos, entre outros: “Queima de Arquivo” (na noite de estreia de Terra Nostra, 20/09/1999), “A Chave Mágica” (11/10/1999), “Reação em Cadeia” (29/11/1999), “O Noviço Rebelde” (20/12/1999), “Central do Brasil”* (03/01/2000), “Independence Day”* (13/03/2000), “MIB: Homens de Preto” (03/04/2000), “Missão: Impossível” (10/04/2000) e “Fuga de Los Angeles” (na última segunda-feira da novela, 29/05/2000). Um fato curioso sobre a virada de 99 para 2000 foi Galvão Bueno narrando a chegada do novo milênio durante o Show da Virada. No primeiro dia de 2000, um sábado, a faixa Cinema Especial exibiu “E O Vento Levou”, à tarde.
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*Exibidos em 1999 na faixa “Cinema Especial”.
Ainda na Globo, foram exibidas as minisséries “A Muralha”, de Maria Adelaide Amaral, entre janeiro e março de 2000, “A Invenção do Brasil” (em abril), de Guel Arraes e Jorge Furtado; e a já citada “Aquarela do Brasil”, entre agosto e dezembro. Aliás, assim como ocorrera com “O Auto da Compadecida” (exibida em janeiro de 1999), “A Invenção do Brasil” foi adaptada e relançada em formato de filme nas telonas. Por falar em cinema, os títulos brasileiros vieram com tudo naquela virada de milênio com filmes como “Xuxa Requebra” e “Xuxa Popstar”, “Brava Gente Brasileira”, “Tainá – Uma Aventura na Amazônia”, entre outros. Vale ressaltar uma tendência do mercado nacional para as celebrações dos 500 anos do Brasil.
Outras emissoras também surfaram no sucesso da trama de Benedito: Batendo a audiência de Faustão constantemente, Gugu Liberato e o seu Domingo Legal, resolveram leiloar um polêmico objeto: A cueca de Thiago Lacerda! A roupa teria sido usada pelo galã durante a peça “Paixão de Cristo”, enquanto ele estava no ar em Terra Nostra. Thiago chegou a entrar em contato com o apresentador na época falando que aquela cueca não era dele, mas o leilão seguiu adiante e o ator entrou com um processo contra Gugu. Eles se reconciliaram apenas em 2019, pouco antes da morte do apresentador.
Terra Nostra acabou escapando da temida “Portaria 797”, que foi instituída em meados de 2000 e obrigou mudanças em “Laços de Família” e “Uga Uga”. A tal portaria obrigava as emissoras a tomarem certos cuidados com a programação, o que inviabilizou, por exemplo, que o SBT exibisse filmes de terror clássicos na faixa vespertina “Cinema em Casa” (“Christine – O Carro Assassino”, “Brinquedo Assassino 2 e 3”, “Alligator”, “A Volta dos Mortos-Vivos 2” e “ A Bolha Assassina” eram títulos frequentes na sessão). Nas novelas da Globo, crianças e adolescentes sumiram de “Laços de Família” e “Uga Uga” por diversos capítulos. E um letreiro passou a ser inserido na abertura “De acordo com a portaria 797 este programa é recomendado para maiores de 12, 14, 16 ou 18 anos”, seguindo a classificação indicativa em vigor na época. Era o começo de uma nova época na TV aberta.
Trilha Sonora e Mercado Fonográfico:

Foram lançados dois CDs com a trilha sonora de Terra Nostra e uma trilha complementar de Marcus Viana. O primeiro, trazendo Giuliana (Ana Paula Arósio) na capa e Matteo (Thiago Lacerda) na contracapa, trouxe as principais músicas da novela. A começar pelo tema de abertura, “Tormento d’amore”. Composta por Luiz Schiavon, Marcelo Barbosa e Antônio Scarpellini, a canção era interpretada por Aguinaldo Rayol e Charlotte Church (com apenas 13 anos na época). A gravação da música foi desafiadora: Aguinaldo e Charlotte gravaram separados, com a equipe de pós-produção juntando as vozes e finalizando a música. Com a novela já no ar e “Tormento d’amore” tendo se tornado um hit, Charlotte veio ao Brasil e se encontrou com Aguinaldo Rayol no palco do Domingão do Faustão. Uma apresentação memorável.
Uma curiosidade na produção do CD da novela é que, até então, a Globo/Som Livre não investia em encartes com as letras das músicas das suas produções audiovisuais. Isso virou um padrão apenas em 2001, com “O Clone”. No entanto, conforme lembrou o escritor e pesquisador musical Vincent Villari, um esforço do diretor Jayme Monjardim possibilitou a produção do encarte com fotos, ficha técnica e, claro, as letras de todas as canções do disco da novela. Um feito inédito.
A trilha trouxe ainda interpretações poderosas de Antônio Fagundes (no segundo CD), com a música “Vai se chamar saudade” (que seria reutilizada anos depois na refilmagem da série “Carga Pesada”); José Augusto, com “’O sole mio!”; “’O surdato ‘Nnammurato”, com Netinho (“oje vita, oje vita mia…”); “Funiculi Funiculá”, com a Família Lima; “Comme facette màmmeta”, com Toquinho; e “Malía”, com Sandy & Júnior.
Por falar em Sandy & Júnior, ao lado de CD de Terra Nostra, bombava nas lojas nas compras de Natal de 1999, o CD “As Quatro Estações”, que incluía o hit da novela, além da regravação de “Imortal”, a faixa título “As Quatro Estações”, o sucesso dançante “Vamo Pulá!” e a romântica “Olha o que o amor me faz”, que entraria na trilha sonora de “O Cravo e a Rosa”, em 2000. O disco marcava a ruptura total com a fase infantil que a dupla vinha ensaiando desde os dois últimos álbuns.
O rei Roberto Carlos, que integrou a trilha da novela (segundo CD) com “Canzone per te”, lançou em 1999 os álbuns “Mensagens” (reunindo as músicas religiosas de sua carreira) e “30 grandes sucessos – volumes 1 e 2”, que trazia a inédita “Todas as Nossas Senhoras”, composta durante o momento em que o músico lidava com a grave doença da esposa, Maria Rita, que faleceu em 19/12/1999. O especial musical do cantor não foi exibido naquele ano, voltando à grade de programação da TV em 2000, bem como o lançamento de seu novo álbum: “Amor sem limite”, dedicado à Maria Rita.
A trilha sonora incidental, a cargo de Marcus Viana, trazia uma faixa interessante, que recebeu o nome de “Speranza” e continha um trecho de “Cavalleria Rusticana”, entre outras composições clássicas. Nos capítulos finais da novela, começou também ser veiculada outra música de Marcus Viana, que depois seria usada como tema de abertura do programa “Terra de Minas”, da TV Globo em Minas Gerais.
Reprises, versões e direitos autorais:

Com o sucesso – apesar da barriga, diga-se de passagem – de Terra Nostra entre 1999 e 2000, claro que uma reprise no vespertino “Vale a Pena Ver de Novo” era inevitável. Além disso, em maio de 2004, a Globo concluiu a venda da novela para 83 países, o que desbancou “Escrava Isaura” como a obra mais vendida da emissora (79 países). Assim, em 07/06/2004, a trama estreou na faixa da tarde, com todos os requisitos esperados para uma reprise: distanciamento médio de tempo (4 anos), bons índices de audiência da exibição original e vindo em uma sequência de boas reprises como “O Cravo e a Rosa”, “Anjo Mau” e “Corpo Dourado” (esta última atingindo 25 pontos de audiência). Terra Nostra, porém, não conquistou o público da tarde, despencando os índices das anteriores para apenas 12 pontos no Ibope e precisando ser picotada pela emissora, para acelerar seu fim. Dos 221 capítulos originais, foram exibidos 106 na reprise, que ainda precisou dividir espaço com a transmissão das Olimpíadas de Atenas e as eleições municipais. De acordo com o pesquisador Nilson Xavier, a reprise foi tão editada, que em setembro de 2004, cerca de 46 capítulos originais foram compridos em 5 capítulos de 40 minutos. A reapresentação terminou em 05/11/2004. Uma curiosidade da época é que a refilmagem de “Cabocla”, também de Benedito Ruy Barbosa, esteve no ar na faixa das 18h, entre 10/05 e 20/11, com bons índices de audiência.
Para a versão internacional, a Globo também editou a novela e alterou algumas músicas da trilha. A novela vendida para outros países tem 150 capítulos, com cerca de 1 hora de duração cada.
O problema com a trilha sonora, aliás, repercutiu em 2019, quando o Canal Viva (dos canais de TV por assinatura da Globo) anunciou a reprise da novela. Com muitas músicas internacionais (especialmente em italiano), a Globo havia perdido os direitos de parte das canções, o que inviabilizava a sua reprise na íntegra. Mesmo com reclamação do público, que já havia torcido o nariz para os cortes na reprise de “Bebê a Bordo” (primeira novela editada pelo Canal Viva), foi exibida a versão internacional de Terra Nostra que, depois, foi disponibilizada no Globoplay. Com a popularização do Projeto Resgate, o então diretor da plataforma de streaming, Erick Bretas, afirmou que seria “praticamente impossível” colocar os 221 capítulos da trama no catálogo do Globoplay, por causa das músicas. Pouco antes de sua saída da direção, no entanto, Bretas, ao anunciar as novidades para o ano de 2024, informou que, sim, “Terra Nostra” seria inserida na íntegra na plataforma, pois o problema com os direitos autorais das músicas havia sido sanado. No dia 27/05/2024, os 221 capítulos originais substituíram os 150 da versão internacional.
Troca de faixas:

Após a pandemia de COVID, em que a Globo exibiu várias reprises no horário nobre intituladas de “Edição Especial”, a emissora oficializou uma nova faixa de reprises com esse nome no meio da tarde (horário original do “Vale a Pena Ver de Novo” que, desde 2014, passou a ocupar o fim da tarde). A regra, naquele momento, era de que as tramas dos horários das seis e das sete ocupassem a faixa “Edição Especial” e as tramas das oito/nove, ocupassem o “Vale a Pena…”.
Desde sua estreia, em 06/12/2021, a faixa “Edição Especial” exibiu “O Cravo e a Rosa”, “Chocolate com Pimenta” e “Mulheres de Areia” (todas vindas das 18h), “Cheias de Charme (das 19h), “Cabocla” e “História de Amor” (ambas das 18h). Enquanto isso, o “Vale a Pena Ver de Novo” trouxe de volta “O Clone”, “A Favorita”, “O Rei do Gado”, “Mulheres Apaixonadas” e “Paraíso Tropical” (todas das faixas das 20h/21h). Em 2024, muitos esperavam “A Viagem” como um título da “Edição Especial”, mas a novela acabou exibida no Canal Viva. Com isso, a Globo apostou em uma trama das 18h para o “Vale a Pena”, cujo tema era semelhante: “Alma Gêmea”. Na sequência, outra trama das 20h: “Tieta” e, finalmente, “A Viagem” (da faixa das 19h). Desta forma, foi quebrada a hegemonia dos horários e, há cerca de um mês, “Terra Nostra” foi anunciada como “a primeira novela das 20h a ocupar a ‘Edição Especial’”.
Como a faixa é marcada pelos pouquíssimos cortes em relação às exibições originais, resta saber como a Globo irá lidar com a longa duração da novela, e com o momento mais morno da trama. O público pode esperar, na verdade, um misto entre as versões original e internacional: ou seja, não será tão cortada quanto a reprise de 2004, mas também não terá a duração original. Com o problema resolvido das músicas, deve trazer de volta a trilha original e manter o ritmo mais ágil da versão exportada. Será um interessante híbrido para se acompanhar no horário vespertino.
26 anos depois:

Sim, 26 anos separam as exibições. A novela estreou em 20 de setembro de 1999 e a atual reprise estreia em 1º de setembro de 2025. Neste ¼ de século, a TV mudou demais: saiu do formato “quadrado” (4:3) dos aparelhos de tubo para o 16:9 dos aparelhos de plasma, LCD e, agora, led. Deixou de ser analógica para ser digital e, neste momento, anuncia sua entrada no período “3.0” (cada vez mais interativa e se fundindo à internet), os já citados Ana Maria Braga, Jô Soares, Serginho Groisman e Luciano Huck foram para a Globo (Jô faleceu em agosto de 2022). A Xuxa saiu da Globo, foi para a Record e… voltou para a Globo! A Eliana saiu do SBT, foi para a Record, voltou para o SBT e… agora está na Globo. O Gugu saiu do SBT e foi para a Record (o apresentador faleceu em 2019), Roberto Marinho, fundador da Globo, faleceu em 2003 e Sílvio Santos, fundador do SBT, faleceu em 2024.
“Malhação”, quem diria, sobreviveu e se reinventou por várias temporadas, até sair do ar definitivamente na pandemia de COVID.
Ana Paula Arósio ainda deu vida a outras protagonistas até sumir da TV, reaparecendo apenas em um comercial do banco Santander e, agora, em uma chamada especial da programação de setembro da Globo.
O bom e velho VHS, que muita gente usava para gravar os capítulos de suas novelas preferidas na década de 1990, foi substituído pelos DVDs, que foram ameaçados pelos discos de Blu-Ray e acabaram engolidos pelo streaming, embora ainda resistam em coleções de pessoas apaixonadas pela sétima arte.
Se em 1999, antes da produção das oito estrear, os olhos do cinema estavam voltados para “Central do Brasil” e a indicação de Fernanda Montenegro como melhor atriz; em 2025, Fernanda Torres recebeu o Globo de Ouro por sua interpretação em “Ainda Estou Aqui”, e o longa de Walter Salles levou o Oscar de Melhor Filme Internacional – o primeiro Oscar do Brasil que, após o sucesso nas telonas e no streaming, teve seu lançamento em mídia física anunciado.
A já citada portaria 797 nasceu, cresceu e… caiu! Sendo substituída pela Classificação Indicativa que, após alguns ajustes, é usada como padrão para a TV, cinema, jogos e espetáculos teatrais até hoje.
O comportamento da sociedade mudou (em alguns pontos para pior), a polarização política se acirrou nos últimos anos e o futuro é complexo de se adivinhar.
Enfim, rever Terra Nostra será, além de uma oportunidade de curtir uma deliciosa história de amor, em uma primorosa produção televisiva; um grande exercício de perspectiva de como a TV, as tecnologias, o mundo e as pessoas mudaram em 26 anos. Uma experiência e tanto!
