**“Last night at 2:17 am every child from Mrs. Gandy’s class woke up, got out of bed, went downstairs, opened the front door, walked into the dark … and …they never came back”**
Em tradução livre, significa algo como: “Na noite passada, às 2h17 da manhã, todas as crianças da classe da Sra. Gandy acordaram, saíram da cama, desceram, abriram a porta da frente e caminharam para a escuridão… e … nunca mais voltaram.”
O cinema de horror mainstream (e mais, parece um recorte de filmes da Warner Bros., hehehe!, ou é só impressão minha) tem fascínio por horários e por integrar isso à narrativa como elemento assustador (ou coisa parecida que o valha… para ao menos tentar causar). “Invocação do Mal” (The Conjuring, 2013. Dir.: James Wan) traz o horário 03h07 como a hora morta mais macabra da madrugada. Em que todos os “portais” do além estão abertos, demônios ou fantasmas estão em atividade por aí.
Muito interessante ver como este filme, da cabine da vez, queridos lumináticos, que carrega justo o nome “A Hora do Mal”, e vendendo-se a partir de um slogan bem espertinho – o supracitado, das crianças que saíram de suas respectivas casas às 2h17, foram para a escuridão da rua, correram, e simplesmente sumiram. Desapareceram… para nunca mais voltar. Instigante, não? Trágico. E assustador, também. Mas me traz um pouco de comicidade essa premissa, por mais difícil que seja explicar o porquê.
E visualmente é um trabalho bem sofisticado da Domain Entertaiment/New Line Cinema. Talvez o que mais confia no trabalho visual como um todo. Junta bem a abordagem mais gráfica com um elemento atmosférico – quem sabe uma bem digerida influência do “pós-terror”?
Chega até a lembrar o “Hereditário” nesse formalismo mais sóbrio e em como resolve algumas coisas de modo mais minimalista e não tão épico (as duas sequências que se alternam na parte final, com o desenrolar, no capítulo final do menino Alex, são relativamente simples).
Até a possessão final dos caras (o policial e o garoto trombadinha viciado) na casa da família do Alex se contenta com elementos bem básicos (embaixo: as crianças no porão, a velha, a “bruxa”; uma mocinha; que é a professora Gandy; o personagem do Brolin; o policial; o moleque. Em cima: o Alex e seus pais possuídos e controlados, com o esquema meio “voduzeiro” da velhota… e muita luz e contraluz e acabou).
Se por um lado isso reforça algumas características que já existem em franquias de horror mainstream (especialmente esse modo mais pretenso realista, seco, sóbrio e objetivo de se lidar com as coisas), por outro é um filme até mais direto ao ponto (e não falo exatamente narrativamente). Uma vez que toda a mitologia está bem estabelecida, ele se foca mais nas dinâmicas daqueles capítulos, do ponto de vista de cada um. E isso gera um gimmick narrativo muito curioso e interessante.
Remete até a uma lógica “episódio da semana” do Arquivo X, já que oferece uma narrativa independente que até lida com a mitologia local de um Condado interiorano estadunidense, mas não chega a depender diretamente de possíveis novos rumos.
Muitos filmes e muitas franquias hoje em dia, por exemplo, acabam presas a essa ideia de propor um “tudo ou nada”, de eventos que prometem redefinir todo aquele mundo pra que se tenha um interesse pela continuação. Aqui o pessoal parece muito mais ligado em uma lógica serial de um quase matinê de horror ou algo do tipo.
O que faz do longa algo muito mais interessado em dinâmicas diretas do horror do que em apelos evidentemente industriais que apenas explorariam o branding comercial de filmes do gênero.
Obviamente que mesmo nisso existe um grande apelo, mas também uma liberdade cinematográfica muito… muito maior.
É um quebra-cabeça cínico e “maquiavélico” que remete desde “Prisoners”, do Denis Villeneuve (ambientação, premissa e caracterizações) até “Magnólia” e “21 Gramas” (a estrutura maníaca de diferentes pontos de vista que vão se cruzando), mas que tem toda uma vocação para o absurdo/ridículo que é abraçada à perfeição no final.
Apesar da trama tão diferente, é um irmão legítimo de “Barbarian” nesse jogo de perspectivas que cria uma série de situações graves de tensão graves que frequentemente são quebradas. E poderia ser uma obra xria da mente de Stephen King também.
Esse movimento se radicaliza aqui pela quantidade e qualidade de personagens e dos espaços (como também do uso destes), mas, por outro lado, torna tudo mais uniforme, já que essa proposta narrativa é mantida sem alterações até o fim.
É consequentemente mais uma história de revelações graduais do que propriamente cheia de grandes reviravoltas, como se viu no longa de estreia de Zach Cregger. Cada novo capítulo, já nos dois primeiros, se desdobra em informações importantes sobre o que está acontecendo com bastante deliberação mas também com objetividade, sem ficar repetindo cena.
Mesmo que a presença sobrenatural, em princípio, seja mais intuída do que exatamente explícita, o roteiro não faz questão de esconder esse viés do filme e, quando necessário, trata tudo com o máximo de praticidade que consegue (melhor exemplo é a cena da citação direta a “O Bebê de Rosemary”/Ruth Gordon, um dos grandes momentos aqui).
É fácil argumentar que a importância/complexidade dos personagens que protagonizam os capítulos é desigual, mas a intenção do diretor é mais criar utilizar os coadjuvantes (todos exceto Julia Garner e Josh Brolin) como ferramentas para mergulhar no mistério do que se adensar nas pessoas em si.
Nesse sentido, ele vira meio um grande labirinto de terror pelo subúrbio, no qual a ameaça (inicialmente desconhecida) pode vir de várias direções. A maneira como os planos seguem os personagens ou são seguidos por eles revelando diferentes possibilidades de violência, como na cena do ataque da esposa possessiva no momento do mercado, revela muito sobre essa estratégia.
Se a tensão no começo é articulada a partir desse prisma realista da desconfiança dos pais em relação à professora e dela em relação à raiva que eles estão dela, a exploração dos outros núcleos vai fugindo cada vez mais desse mero mal-estar e se entrega à brutalidade como se, como as crianças desaparecidas, a câmera estivesse sendo puxada por um ímã em direção ao sobrenatural.
E, amigos, e como funciona! É cinema! Puro!

Um comentário em “Crítica: “A Hora do Mal””