Crítica: F1 – O Filme

“F1 – O Filme” é um comercial disfarçado de filme, e nem é um dos bons.

Raphael Lages

É curioso como Joseph Kosinski, um diretor que se definia por ambientes de CGI meticulosamente elaborados, onde tudo nos filmes era artificial como próprio mote da existência dos filmes, passa a virar um cara que quer filmar vento batendo rosto. A chegada do diretor para um filme como “F1 – O Filme” (2025), não surpreende, em retrospecto. Ele começa a carreira filmando as motos de neon em “Tron: O Legado” (Tron Legacy, 2010) correndo por espaços digitais e, já interessado pela velocidade e mecanicidade de veículos nas telonas, expande ainda mais isso no épico de ação “Top Gun: Maverick” (2022), porém agora fazendo do realismo dos eventos seu principal aliado. A câmera só captura o que acontece, então “Maverick” vai colocar todos os atores para pilotar caças a jato e quer ouvir metal batendo no ar. Ambas sequências de legado, recuperando filmes de sucesso nos anos oitenta e fazendo um tratado ao repensa-los para nova geração. Se em 2010, a forma de atualizar esses filmes era tratar de concretizar o sintético com as novas tecnologias, em 2022, parece que o CGI se torna redundante, então agora é voltando aos astros antigos de colocar o próprio corpo em risco e voltar a uma fisicalidade genuína.

F1” pode não ter uma franquia oitentista em seu título, mas a estrutura do filme não diferencia muito da sequência de legado anterior do diretor. Sonny Hayes (Brad Pitt) era um piloto lendário quando jovem, mas teve sua carreira interrompida por um acidente. Hoje, ele é um gênio frustrado, vencendo corridas de segunda categoria. Até que recebe uma proposta de Ruben (Javier Bardem), um amigo de velha guarda que o chama para pilotar na Fórmula 1, dando chance a Sonny de recuperar seu sonho perdido de vencer no automobilismo de Elite. No caminho, ele precisa treinar Joshua (Damson Idris), um jovem teimoso que está em constante conflito com Sonny. A própria premissa do protagonista é recuperar algo há muito perdido, mas que ainda existia em si próprio de alguma forma. E não é muito diferente dos ideais do próprio filme.

A narrativa remete a uma sequência de legado tanto na própria estrutura, que quase se orgulha de suas batidas que remetem a outros filmes do gênero, quanto na caracterização do protagonista, que parece ser um herói de outra história que já acompanhamos. Aqui, Kosinski não conta com um personagem como o Maverick de Tom Cruise para trabalhar em cima, mas se desafia a elaborar toda a iconografia de Sonny Hayes ao redor da figura de Brad Pitt. O que tem sucesso na abordagem do diretor é filmar o ator como ícone, existe uma reverência a figura de Pitt até nos seus momentos mais baixos. A performance de Pitt é cansada, destruída; tem marcas do tempo no corpo, mas exala a confiança de quem tem certeza das coisas. Falha, porém, ao tentar estabelecer os alicerces dramáticos do personagem, que, além de desmistificar a pluralidade da figura que o ator consegue evocar, também destacam o quão pouco direcionado é todo o drama do longa. Ao mirar no específico e ter o personagem detalhando seu passado, o filme atinge o genérico pelo quão pouco as coisas se comunicam.

Os problemas do drama do filme são realçados pelo quão pouco Kosinski se investe formalmente nas cenas de personagem. Não ajuda que os diálogos são algumas das coisas mais desajeitadas e expositivas dos últimos tempos, mas o trabalho de organizar a cena em planos e movimento do Kosinski é praticamente inexistente. A história existe só porque sai da boca dos personagens, nem as emoções deles parecem ser registradas ali. Existem ideias aqui e ali sobre os riscos de estar na pista, sobre como correr é aproximar da morte mas também da vida, coisas que filmes como “Grand Prix” (1966, John Frakenheimer) ou “Ferrari” (2024, Michael Mann) elaboram bem, mas aqui é só uma sugestão vazia. É um drama tão asséptico e pouco envolvido em si mesmo, quanto se espera de um filme que também tem a marca oficial da Fórmula 1 em seu título e suporte completo da liga. É evidente que o trabalho tem que balancear as demandas comerciais do esporte e funcionar como um grande comercial para a Federação do Automobilismo. Ele tem que se anestesiar a qualquer coisa que poderia ser levemente danosa para a imagem da marca.

Esse acaba sendo um problema até para as ambições de comercial do filme, porque o trabalho parece entender pouco sobre o que faz a Fórmula 1 tão engajante e fascinante. Lembrei de um filme como “Speed Racer” (2008, Irmãs Wachowski) que conta com uma cena de pai e filho assistindo uma corrida antiga e se emocionando com a vitória do piloto que torciam. Aquilo capturava a emoção coletiva e atemporal de ver esses carros cruzando a linha de chegada, mas também não era um filme que precisava assimilar os lados mais sujos dessa dinâmica. Em “F1” parece existir pouco esforço para capturar o que faz a emoção desse esporte tão universal.

O que é uma pena, pois o bom drama do filme está nas pistas. Quando assisto uma corrida de Fórmula 1, posso não saber muito bem sobre o novo piloto da Ferrari às vezes, mas consigo me emocionar pelas suas ultrapassagens plenamente no drama do piloto ter que lidar com esse obstáculo. O filme “F1” é, nas pistas, praticamente outro trabalho. Kosinski sabe elaborar bem a fisicalidade dos veículos, a claustrofobia das máscaras e o imediatismo de estar nas pistas. Na melhor sequência do filme, Sonny corre contra o relógio para testar o carro de sua equipe, que, aos poucos, se desmonta e não lida bem com a física da pista. O momento é montado junto com alguns personagens fazendo apostas se ele vai conseguir ou não chegar no tempo que precisa. É o ápice do filme, pois é onde o diretor consegue entender tanto o tempo e decisões imediatas do correr, fora a fisicalidade do metal se desfazendo na pista.

Todo o bom drama de “F1 – O Filme” está 100% nas pistas. No ato de correr e querer vencer, mas outros 19 pilotos também querem. É ali que existe todo o atrito de interesse e é o único lugar onde o diretor consegue de fato elaborar algo com as ações dos personagens, por mais que ainda conta demais com uma narração intrusiva que acaba roubando alguns momentos. É incompreensível por que o filme passa tanto tempo explorando coisas que não o interessam, e, na corrida final, precisa recorrer a um resumão da primeira metade da disputa. Ouvindo os narradores contarem para gente as coisas mais relevantes que aconteceram nessa corrida, fiquei pensando porque eu estava assistindo esses personagens elaborando dramas familiares dignos de comercial de TV há 40 minutos ao invés de assistir carros em movimento com as várias reviravoltas fascinantes que me eram narradas.

Cotação por Ossos:

2,0

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