Crítica: Extermínio

Luca Ramalho Rizzuti

“Memento Mori” significa “lembre-se de que vai morrer”.

Muitas vezes, não sabemos de onde começou, ou de onde vieram. Talvez uma mistura de drogas: crack e pó branco somado a suplementos alimentares, agrotóxico dos alimentos. Ou… está bem, nada disso. Talvez algum vírus, bactéria, fungo e protozoário.

Não importa!
“Zumbis” sempre nos fascinaram.
Aqui tem a ver com vírus da raiva e… algo a mais.
De Romero (o pai; o mestre) a “Guerra Mundial Z”, com Brad Pitt, o gênero (sim, é e tornou-se um gênero por si só, com regras e códigos próprios, sendo não mais apenas um subgênero do terror e da ficção científica) virou muita coisa em termos de potencialidades, com novas abordagens e roupagens.
Poucas coisas são tão assustadoras e desoladoras quanto a imagem de uma grande cidade completamente abandonada e destruída. Visto recentemente em filmes e produções como “The Last of Us” (série adaptada dos jogos), “O Advogado do Diabo”, “Preso na Escuridão” e “Resident Evil – O Hóspede Maldito”, este cenário é justamente o que o protagonista de “Extermínio” encontra depois de sair de um coma prolongado. Lá no primeiríssimo filme, de 2002, também começado por Danny Boyle, o personagem errando pelas ruas vazias de Londres, em meio ao cenário daquele apocalipse do capitalismo tardio agora decadente, Jim (Cillian Murphy) percebe que algo de terrível ocorreu enquanto estava inconsciente, já que há carros abandonados (e capotados) por toda a cidade e corpos jogados no meio da rua. E o que é pior: as únicas pessoas vivas que ele encontra comportam-se como verdadeiros zumbis, perseguindo-o com o propósito de, aparentemente, devorá-lo (na verdade, elas foram infectadas por um vírus que se espalha rapidamente). Para manter-se com vida, Jim acaba se unindo a três outros sobreviventes sadios enquanto procura encontrar uma saída para aquela situação enlouquecedora.

Apesar de possuir uma premissa que lembra, em parte, a de filmes como Mortos que Matam e sua refilmagem, A Última Esperança da TerraExtermínio demonstra ser uma produção ambiciosa ao se concentrar menos no ataque dos `zumbis` e mais no efeito que a devastação do mundo provoca em seus personagens. Em certo momento, por exemplo, os heróis experimentam uma imensa felicidade ao avistarem alguns cavalos galopando ao longe, recobrando as esperanças de sobrevivência simplesmente em função da presença de um outro organismo vivo no planeta. Da mesma forma, a narrativa faz pausas constantes para criar momentos mais intimistas, como ao enfocar o prazer infantil de Jim e seus companheiros enquanto percorrem um supermercado abandonado. Em cenas como esta, os protagonistas discutem de forma inteligente os problemas que enfrentam, questionando o valor de uma vida que não pode ser aproveitada inteiramente, já que o medo e a superioridade numérica dos zumbis representam uma sombra constante no cotidiano de todos. Além disso, há a trágica constatação do fim da evolução de nossa espécie – algo que alguém lamenta ao dizer: `Você jamais lerá um livro que já não tenha sido escrito ou verá um filme que já não tenha sido rodado`.
Curiosamente, Extermínio também explora um tema que o diretor Danny Boyle já havia estudado em seu trabalho anterior, o  “A Praia”, com o DiCaprio, abordando como as pessoas se comportam em uma sociedade sem um governo claramente estabelecido? Será que, na ausência de leis e de autoridades, nós retornaríamos a um estado de primitivismo, ignorando todas as condutas básicas de civilidade com as quais já nos acostumamos? Nos dois filmes, a anarquia acaba conduzindo a um `regime` totalitarista e cruel: se, em A Praia, nós víamos um sujeito que era abandonado para morrer no meio da selva, em Extermínio vemos a degradação moral de vários personagens que usam a força para conseguir o que querem (é só o que posso dizer, já que não pretendo revelar detalhes importantes sobre a trama). Assim, não é coincidência perceber que o roteiro deste filme foi escrito justamente por Alex Garland – autor do livro que deu origem ao projeto estrelado por Leonardo DiCaprio. Aliás, “Extermínio” também procura demonstrar que os seres humanos, em determinadas situações, podem se comportar de forma mais animalesca do que os `zumbis devoradores de carne`, mas, infelizmente, o roteiro acaba se tornando óbvio demais em sua pregação, impedindo que tiremos nossas próprias conclusões. Traz algumas piadinhas engraçadinhas do tipo crítica social, como o momento em que um personagem super durão de nome Eric, que se autodenomina como um guerreiro berserk, mostra a Spike (Alfie Williams) uma foto de sua ex-noiva e o pequeno, o garoto a zomba dizendo que devia ter comido algo sério para ter dado alguma reação alérgica severa para que seu beiço ficasse grande. Hahahahá! Risadinhas à parte, alfinetadas nas mulheres que amam harmonização facial, plásticas e outras cirurgias ou procedimentos estéticos.

Mas não pense que, por se concentrar em temas mais sérios, o filme falha como exímio e autêntico exemplar do gênero `terror` – ao contrário: justamente por desenvolver melhor seus personagens, “Extermínio” se torna ainda mais tenso, mantendo o espectador constantemente preocupado com o destino dos heróis. Algumas sequências, aliás, nada deixam a desejar com relação ao apavorante “A Noite dos Mortos Vivos” – com a diferença que, ao contrário do clássico dirigido por George A. Romero, os zumbis deste trabalho de Danny Boyle se movem com uma incrível rapidez (o que dá origem a cenas incríveis… repito, mais uma vez algumas muito engraçadas).

No início, temos uma abertura promissora, em que vemos um filho, um garoto, perder seu pai, um padre (por sinal!), numa sequência arrebatadora. O que remete a punição no sentido religioso. O pecado, logo a morte.
Nesse contexto, visto dessa forma com isto posto, os zumbis remeteriam ao pecado. Seriam figuras do pecado, agora distorcidas. “O Homem foi criado à imagem e semelhança de Deus”. E por meio do pecado, perdemos a semelhança e mantemos a imagem. Sensacional isso!

Mas o filme também perde força em vários momentos.
Por exemplo, a título de prova, quando o personagem do médico doidão (ora, num contexto terrível e sujo como aquele, qualquer personagem mais “estranho” que se denomina possível “salvador”, acaba sendo “o doidão) de Ralph Fiennes revela que a mãe de Spike estava para morrer, inevitavelmente, devido ao seu câncer em processo de metástase… dali, por mais triste que seja para ser esse momento, que se dane! Eu pouco me importei. Porque claramente, o “core emocional” do filme já havia morrido e nos deixado. Daí nada que o filme faça ou revele vai nos deixar comovido, por pior que possa ser a cena, mais triste que seja. Daí, quando Spike põe o crânio de sua mãe, após ela morrer, já no topo da pirâmide de esqueletos, e insere uma montagem com flashbacks a fim de comover o espectador de forma mais barata possível. Mas nem nos importamos. E isso antes de inserir o flashforward com o salto temporal de “28 dias depois” (que dá título ao filme no original).

Bom, mamãe, queria ser George Miller, mas sou apenas o Danny Boyle.

Lamentável!

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