Crítica: Bolero, A Melodia Eterna

Filme retrata a vida de obra de Maurice Ravel, mas soa mais longo do que parece

Antônio Pedro de Souza

Sapatos finos pisam um chão enlameado. Uma mulher chega à uma porta e é recebida por um homem. Eles estão em uma fábrica e o homem tenta mostrar a melodia vinda das máquinas. Assim começa “Bolero, A Melodia Eterna”, que versa sobre a vida e a carreira de Maurice Ravel, renomado compositor e maestro.

O filme acompanha grandes e delicados momentos da vida de Ravel, incluindo uma tentativa de suicídio, ao ser desclassificado de um prêmio em determinado momento da vida. O foco, no entanto, é sua maior composição: “Bolero”, que dá nome ao filme.

A música foi encomendada pela bailarina Ida Rubinstein, para um balé que ela estava montando. Ravel sofre um bloqueio criativo e chega a sugerir à Ida que seja feita a adaptação de outra composição para o balé. Na sequência, o compositor parte em turnê pelos Estados Unidos, onde faz sucesso e tem seu primeiro contato com o jazz.

De volta à França, Ravel segue com sua dificuldade em criar uma peça musical sob encomenda para Ida, além de lidar com os traumas de um amor do passado: Misia, uma mulher que se casou com outro, é maltratada por ele, e parece nunca ter se esquecido de Maurice, embora também tenha sua própria cota de infidelidade em relação ao marido – um jogo intrigante de traições mútuas.

É interessante como o compositor busca suas inspirações nos mais diversos meios. E como sua capacidade de encontrar novos sons surge do que para ouvidos comuns, soem como sons banais: os ouvidos de Ravel escutam atentamente o canto dos pássaros, as ondas dos mares, o barulho das máquinas, o ritmo do leque e, o mais intrigante e sensível desta galeria: a delicadeza do som de um par de luvas sendo calçado por mãos e braços femininos.

Porém, para compor o que viria a ser sua obra-prima, ainda há muitos obstáculos, incluindo um entrave legal quanto à melodia que ele pretendia adaptar para o balé encomendado e que já se aproxima.

Em meio à composição, Ravel lembra da juventude, de sua experiência na Guerra e, mais uma vez, busca inspirações no cotidiano. É quando o filme volta ao seu começo, na fábrica e ele apresenta a composição à Ida, que compra a ideia e transforma o cenário de seu balé em uma fábrica, com doses generosas de sensualidade, às quais Ravel reage com a expressão: “estamos em um bordel?” Essa concepção erótica de sua obra desagrada a Ravel, que rompe com Ida e sai furioso do teatro.

Um dos momentos mais tocantes do filme é quando Ravel se lembra da morte sua mãe. Ele está na guerra e, constantemente, escreve para ela. Porém, há tempos não recebe uma resposta. Ao tirar uma licença do combate, ele chega em casa e a encontra terrivelmente enferma. Ela falece em seus braços.

De volta ao presente, Ravel comparece à estreia do balé que utiliza sua música como trilha, ficando descontente com o resultado. Porém, numa dessas reviravoltas da vida, o público e os críticos amam a melodia, fazendo com que Ravel repense sua posição quanto à sua própria obra.

Os últimos 30 minutos do filme se dedicam a explorar a doença que Maurice Ravel desenvolveu: Doença de Pick, que apresenta sintomas semelhantes aos do Alzheimer, mas com outras particularidades. Aos poucos, Ravel perde suas capacidades motoras e de memória, tendo que deixar sua composição de lado. O filme termina com ele indo ao hospital. Porém, não é mencionada a causa exata de sua morte: além da doença neurodegenerativa, o músico sofre um acidente de carro. Isso não é explorado pelo filme.

É importante salientar que, como biografia, “Bolero, A Melodia Eterna” é um primor, mas excessivamente longo. São 120 minutos que, muitas vezes, são preenchidos apenas com contemplações e filosofias introspectivas. Não há mal nisso, claro, mas funcionaria numa metragem de, digamos, 100 ou 105 minutos, por exemplo.

Os vários flashbacks também destoam um pouco o ritmo da história. E, se o espectador não for atento o suficiente para prestar atenção na maquiagem e cabelo do protagonista, pode ficar perdido no vai e vem temporal.

Do mais, o longa cumpre seu objetivo de recontar a história de um dos compositores mais bem sucedidos da história, embora vários aspectos soem vagos – a despeito dos já citados 120 minutos.

***

Cotação por Ossos:

7,0

***

Cartaz e fotos do filme: Pascal Chantier, gentilmente cedidos por Mares Filmes/Divulgação: Léo Rolim

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