Crítica: A Mais Preciosa das Cargas

Uma fábula sobre acolhimento e esperança

Antônio Pedro de Souza

Numa floresta afastada do mundo, um casal vive em quase completo isolamento sendo “visitado”, esporadicamente, por um trem de carga que passa pela região. A mulher, ressentida da perda de um filho no passado longínquo, reza para que uma nova criança surja na vida deles, enquanto o homem agradece a bênção de não ter mais bocas para sustentar. Um dia, por meio do trem de carga, chega uma preciosidade: uma criança, que logo é acolhida pela mulher e rechaçada pelo homem.

A partir deste evento, “A Mais Preciosa das Cargas” (La Plus Précieuse Des Marchandises), filme do diretor Michel Hazanavicius toma contornos de uma fábula sobre acolhimento, aceitação e, claro, sobrevivência.

A rotina monótona do casal é transformada drasticamente e outros personagens começam a surgir, ora ajudando, ora atrapalhando a vida dos já desafortunados. Para piorar, o mundo está mergulhado na Segunda Guerra Mundial, e escaladas de poder e violência impactam diretamente o destino de todos.

Habilidosamente construída, a animação recria traços de desenhos clássicos, com contornos fortes e cenários ricos, evocando desenhos animados que fizeram história, como por exemplo “Os Anos de Luz” (Gandahar, 1987) e lança mão, claro, dos melodramas inspirados em histórias reais, como os vistos em “A Vida é Bela” (La vita è bela, 1998), entre outros que se passam no terrível período da Segunda Guerra.

Interessante notar que a frase que abre o filme, dita pelo narrador, é que esta não uma nova versão de “O Pequeno Polegar” e seus derivados – em que pais desafortunados abandonam seus filhos por causa da fome. Em seguida, o narrador diz que ele, assim como nós, espectadores, odiamos esse tipo de fábula!

Fato é que “A Mais Preciosa das Cargas” mostra-se mesmo como um “Pequeno Polegar” às avessas. Uma vez abandonada, a criança é acolhida por esse casal improvável e cercada dos cuidados disponíveis na ocasião.

Lá pelo fim, temos uma pequena pista do que aconteceu aos personagens centrais, no período pós-guerra.

O filme é bem construído, delicado e oferece aquele “quentinho no coração”, que necessitamos de vez em quando numa noite fria e nostálgica. Um ótimo exercício de como as animações podem – e devem – levar questões históricas, filosóficas e, antes de tudo, humanas, ao grande público.

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Cotação por Ossos:

10,0

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Título: A Mais Preciosa das Cargas

Título original: La Plus Précieuse Des Marchandises

Direção: Michel Hazanavicius

Roteiro Michel Hazanavicius

Elenco: Jean-Louis Trintignant, Grégory Gadebois, Dominique Blanc

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Pôster do filme gentilmente cedido por Paris Filmes/Divulgação: Espaço/Z.

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