Crítica: Better Man – A História de Robbie Williams

Filme não foge ao filão, mas se reinventa de maneira peculiar

Raphael Lages

                É evidente de onde vem o apelo da biografia musical para os grandes estúdios americanos. São filmes que conseguem fazer seu nome na temporada de premiações, mas ao mesmo tempo que têm um I.P. grande, em forma do nome do artista, ao redor. O filme já nasce fazendo dinheiro e concorrendo a prêmios. Sendo uma aposta garantida, também não surpreende que o gênero vem se tornando cada vez mais redundante. Sem dúvidas, o filão rendeu alguns dos piores filmes dos últimos anos. A história tem toda uma fórmula de Prometeus, alguém que experimenta o sucesso mas voa perto demais do sol. O artista que vem de lugar nenhum, constrói uma carreira e faz milhões com sua genialidade musical, depois é testado com abuso de substâncias, etc. A estrutura é calculada e sem alma no nível que tem apelo para o americano conservador, mantendo a mito do self-made man, mas a somando o fator da arte ao redor, que permite um apelo muito geral. Além do filme conseguir se vender ao redor das músicas. Quem não quer ouvir um pouco mais de Queen e Bob Marley?

Better Man – A História de Robbie Williams” não nega a maioria das tendências narrativas desse tipo de filme, mas busca deslocá-las ao transformar seu protagonista num macaco de CGI. A escolha pode parecer aleatória a princípio, mas não demora muito até que fique evidente o que o diretor Michael Gracey (The Greatest Showman) busca com isso. É um processo de deslocamento a princípio, que refresca a óptica da narrativa já batida, mas também funciona tanto alegoricamente, reforçando um elemento burlesco e circense do artista pop, quanto para criar uma dinâmica de farsa ao redor da história biográfica.

Por mais que o próprio Robbie Williams esteja envolvido com o filme, é um trabalho que parece ser muito menos higiênico que outras biografias musicais. O filme mal busca retratar o protagonista como gênio, ou até mesmo talentoso, ele é só um cara que quer ser ouvido. Acompanhamos Williams ser egoísta e indulgente, como de costume no gênero, mas o filme não busca redimir ele por completo de suas ações. Ao final, Williams ainda fez todos esses erros e só pode começar a pedir desculpas, mas nunca se inocenta.

Better Man é um filme sobre pessoas que erram e só podem implorar em melhorar. O último número musical é uma ode ao perdão, uma sequência que abandona a discografia musical de Williams e todo o ego que esses filmes costumam carregar, para poder perdoar alguém. Recontextualiza o filme num grande pedido de desculpas, mas também numa grande concessão de perdão. Tanto Williams, quanto seu pai, ao final do filme, são figuras feridas, mas que também feriram, sendo permitidas celebrar sua jornada, mas também transcendê-la.

Ajuda muito que o Gracey desenvolva algumas das melhores sequências musicais da memória recente aqui. São momentos que se permitem explodir a história em abstrações e símbolos audiovisuais, sempre mirando em maximalismo emocional e visual. Seja no intimismo de “Feel”, que contorce o tempo, ou na grandiosidade de “Rock DJ”. Assumir o filme como musical também permite que o projeto lide com a música e a inspiração em um mesmo momento, conseguindo de fato dramatizar a letra. “She’s The One” é uma das melhores sequências do filme, começando com Williams na beira da ponte do navio, como se fosse jogar, e terminando flutuando no ar após conhecer Nicole Appleton (Raechelle Banno). É um momento que se preocupa menos em refletir com realismo a biografia de Williams e muito mais em elaborar uma catarse emocional através da encenação.

Better Man não consegue escapar das fórmulas do gênero, todas as ideias parecem ser herdades do pior tipo de filme, mas Gracey é tão emotivo e, para melhor ou pior, o gimmick do macaco acaba fazendo tudo registrar com deslocamento o bastante se potencializar. No fim das contas é um filme que até escancara muitas vezes o que tem de pior neste tipo de filme, sem muito medo de corromper o protagonista moralmente. Muitas vezes parece que Williams está mais preocupado com o dinheiro e a fama do que com sua música, coisa que é importante num projeto sobre alguém se corrompendo com essa fama. Gracey escancara a ideia do self-made man na arte, transformando numa grande farsa. Desde a tagline “Fama faz macacos de todos nós”, Gracey quer explorar até onde alguém se despersonaliza em prol de projetar uma imagem. Better Man não deixa de ser uma bagunça narrativa que não dá conta de todas as suas ideias, além de um filme que parte do que tem de pior no cinema popular hoje em dia, mas assim como Williams busca alguma redenção, Gracey quer saber se é possível redimir o gênero. O macaco de CGI só vai até certo ponto, porém representa uma impulsividade e coragem do diretor de abraçar ideias fora da curva. É um trabalho à flor da pele e muito emotivo, que é o forte do Gracey e acaba sendo o que carrega o filme.

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Cotação por Ossos:

6,0

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Ficha Técnica:

Título: Better Man – A História de Robbie Williams
Título original: Better Man
Direção: Michael Gracey
Roteiro: Michael Gracey, Oliver Cole, Simon Gleeson
Elenco: Robbie Williams (voz e narração), Jonno Davies, Steve Pemberton, Kate Mulvany, Alison Steadman, Damon Herriman, Raechelle Banno, etc.
Trilha sonora de: Batu Sener (música original), com canções de Robbie Williams
Fotografia de: Erik A. Wilson
Montagem de: Jeff Groth, Spencer Susser, Martin Connor, Lee Smith, Patrick Correll

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Fotos do filme gentilmente cedidas por Diamond Filmes e Sinny Comunicação

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