Brady Corbet conserva apelos de épicos americanos em filme sobre criação e legado
“O Brutalista” (The Brutalist, 2024), terceiro longa de Brady Corbet na cadeira de direção, é tudo menos inovador. O projeto desde sempre se anunciava como uma volta aos épicos americanos de outrora, com seu tempo de duração de 3 horas e 30 minutos, com direito a 15 minutos de intervalo nas sessões no cinema. Desde o fato de ser o primeiro longa americano gravado inteiramente em VistaVision em 64 anos – a técnica foi relegada a efeitos visuais desde então – até o tema e estrutura da narrativa, “O Brutalista” quer remeter tradições do cinema americano. A questão é: Corbet apenas performa um grande filme ou de fato executa um?
O épico conta a história de László Tóth (Adrien Brody), um arquiteto húngaro forçado a fugir de seu país natal pela guerra, buscando construir uma nova vida nos EUA. Não precisamos de mais de 5 minutos, dos 215 do longa, para vermos a Estátua da Liberdade de ponta cabeça e o diretor anunciar com a sutileza de um elefante “a subversão do sonho americano” que irá se desenrolar nas próximas 3 horas. O plano virou uma das capas do filme e, obviedade inclusa, encapsula bem a experiência de “O Brutalista”.
Não é novidade falar de “sonho americano” no cinema. Talvez pelos Estados Unidos ser um dos principais (e, sejamos francos, melhores) cinemas do mundo esse é um tema muito familiar até para o mais básico dos espectadores. De filmes unânimes como “Cidadão Kane” e “Poderoso Chefão”, até coisas mais populares como “Sem Dor, Sem Ganho”. Só esse ano é possível citar incontáveis filmes. Um trabalho como “Trap” (Armadilha, 2024) vai trazer uma imagem ideal americana para revelar a sujeira por trás do mito. Porém, mais relevante para “O Brutalista” seria seu companheiro de Oscar “Anora” (2024). Ambos lidam com figuras de margem – uma stripper e um imigrante, respectivamente – que buscam uma ascensão social nos EUA, porém são confrontados com as mentiras do sonho americano e a crueldade por trás das figuras de poder. “Anora” é mais sofisticado, mais cru, lida melhor com a história do cinema e, além de tudo, narrativamente mais complexo. Basicamente, é muito mais filme, por qualquer ângulo. A forma como o diretor Sean Baker reinventa o filme a cada virada, sempre partindo de gêneros clássicos para entender mecânica do sonho americano a partir de seus próprios mitos. Começando como um conto de fadas até se tornar uma screwball de crime. “O Brutalista” também busca um diálogo com a história do cinema, mas é muito mais simples e direto.
László Tóth é um imigrante talentoso que ao chegar nos EUA precisa confrontar a falta de oportunidade, até que o empresário Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce) o oferece uma chance de executar um projeto ambicioso. Lee parece generoso, mas não demora muito até que revele lados mais perversos, o problema é que o milionário tem a vida de László em suas mãos basicamente só por ser rico. Ele tem o poder de conceder a Laszló o grande projeto de sua carreira num minuto, e o tirar de suas mãos no próximo. Quanto mais o filme progride, a figura de Lee passa a representar a corrupção moral no coração da América. É um discurso simples, mas difícil não achar Corbet eloquente na forma que expressa.
Se “Anora” é um filme que interessa pela forma que abraça os gêneros para trazer a eles novas dinâmicas e nova vida, “O Brutalista” acerta nas formas que conserva os apelos do épico americano. É um trabalho que sabe lidar com a escala, constituindo o macro de seus elementos micro, o que o permite aprofundar em dramas íntimos de seu protagonista enquanto constrói uma narrativa ambiciosa ao redor dele. Dramas esses que acertam na mesma medida em que erram. É claro que Corbet tem interesse maior no lado de criação, onde ele certamente se identifica com László: Arquitetura, assim como o cinema, sendo uma arte colaborativa e dependendo de investimento forte de fontes exteriores, muitas vezes dotadas de influência sobre o projeto. Enquanto os dramas de abuso de drogas e alguns outros paralelos me parecem funcionar como combustível para conflito pouco inventivo.
A arquitetura é tanto um processo prático que depende das instabilidades materiais ao redor, quanto também algo que carrega uma mística. A tensão entre o imediato, do momento onde se executa a obra e a tarefa parece impossível, e do eterno, com o legado que o prédio de Laszlo deixará, é o que faz “O Brutalista”. O brutalismo como estética é algo que por si só transita entre o prático e o belo. Precisa ser efetivo e se adaptar eternamente, além de operar em seus materiais baratos e minimalistas, enquanto expressa uma ideia através de sua postura permanente. É como construir algo especificamente do momento e, por isso, conversa com a eternidade.
Numa das melhores sequências do filme Laszlo e Lee vão para a Itália escolher o mármore que centralizará a igreja de seu projeto. Ao escalar a montanha, o ar se torna rarefeito e o filme espiritual e abstrato. Água corre pelo mármore gelado, revelando nova beleza, num momento que parece ilustrar uma magia ao redor do objeto, tanto quanto o esforço hercúleo para obtê-lo. A linha entre o material e o imaterial nunca pareceu tão tênue e a força do eterno parece ecoar no momento.
Essa dinâmica também existe no período pós-guerra de “O Brutalista”. São paisagens e figuras de um mundo em reconstrução. Essas pessoas e obras só podem existir especificamente nesse momento. Por um lado, visualmente a América acinzentados, concretados e marginais do filme já parece interrogar a “terra da oportunidade”, mas por outro, não consegue de fato se aprofundar em nada sujo e ambíguo. Tudo no projeto é moralmente mastigado e entregue ao público como resposta. Os conflitos de “O Brutalista” encerram ao fim da projeção. Carece do poder incômodo de qualquer grande épico, que consegue se manter relevante pelas próprias contradições. Existe um anacronismo moral no longa que achata todas as suas complexidades. O filme de Corbet é perfeitamente coerente e amarrado, tem seus apelos, mas não consegue realmente instigar.
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Cotação por Ossos:

7,0
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Ficha Técnica:
Título: O Brutalista
Título original: The Brutalist
Direção: Brady Corbet
Roteiro original: Brady Corbet, Mona Fastvold
Elenco: Adrien Brody, Felicity Jones, Guy Pearce, Joe Alwyn, Raffey Cassidy, Stacy Martin, Isaach De Bankolé, etc.
Trilha sonora de: Daniel Blumberg
Fotografia de: Lol Crawley
Montagem de: David Jancsó
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Foto do filme gentilmente cedida por Universal Pictures e Espaço/Z.
