O poder transformativo da performance é explorado no novo longa de Greg Kwedar
O Centro Correcional Sing Sing é onde John “Divine G” Whitfield (Colman Domingo) está preso. Um ator fantástico e dramaturgo promissor, Divine G se torna um dos principais responsáveis pelo RPA (Reabilitação Pelas Artes), o projeto de teatro da prisão. Fora isso, o personagem de Colman Domingo é um mentor nato. Ele é um guia e porto seguro aos detentos participantes do RPA para as conturbações diárias que nascem de um ambiente como Sing Sing. Num momento entre peças, o programa de reabilitação busca novos atores e encontram o instável Clarence “Divine Eye” Maclin (Interpretado por si mesmo). Ele é um ator promissor, mas parece sempre prestes a explodir, o que acaba gerando problemas entre os membros do RPA.
O filme de Greg Kwedar, assim como o projeto iniciado no Centro Correcional Sing Sing, quer entender como a arte pode não só comover, mas também mover internamente essas figuras e transformar suas instabilidades em segurança. A câmera de Kwedar sempre busca olhar através dos olhos de alguém para enxergar, além da performance, a alma dessa pessoa. E, assim, como a performance afeta a truculência da alma. Através da arte, esses atores conseguem não só escapar mentalmente dessa prisão e se permitirem viver outras infinitas vidas, mas também funcionar como uma terapia. Um momento onde eles os membros do programa podem colocar em xeque quem eles são, entender a si próprios para se transformarem em alguém diferente. Dentro e fora dos palcos.
Mas é, em primeiro lugar, um gesto de humanização para figuras constantemente desumanizadas pelo seu ambiente. “Estamos aqui para nos tornarmos humanos de novo” diz Sean “Dino” Johnson (também interpretando si mesmo), “colocar boas roupas, dançar e aproveitar as coisas que não estão na nossa realidade”. É um processo de virtualidade que permite com que essas pessoas possam transmitir uma existência que existe fora dos confinamentos de Sing Sing.

E Sing Sing é muito bom quando tenta entender as nuances do sentir, dentro e fora da performance. Quando esses atores estão no palco, são suas emoções menos genuínas? E fora do palco, existe uma performance? Em seu primeiro encontro, Divine G ao ver Divine Eye intimidando um detento no parque para que ele lhe pague uma dívida, o personagem de Colman Domingo elogia a atuação de Divine Eye. Ele responde “Você acha que aquilo era uma performance?”
Kwedar e seu diretor de fotografia Patrick Scola (Pig, Um Lugar Silencioso: Dia Um), trazem um olhar intimista para a narrativa. O que pode soar genérico falando assim, mas existe uma unidade bem definida para a proposta. Sendo um longa sobre atuação, é mais do que esperado que os atores centralizem os interesses do cineasta. Então os closes do diretor buscam viver nessas trocas de olhares e flutuações mínimas corporais, tentar capturar as performances dos atores e dos personagens, mas com um cuidado para não sublinhar o negrito, se tornando redundante formalmente. É um filme que precisa entender toda uma psique dos personagens, mas que na verdade acaba sendo sobre como ela se materializa de fisicamente nesses atores. A câmera próxima do rosto em Sing Sing reflete também a dinâmica de aprisionamento a partir das composições elaboradas de Scola e Kwedar – os quadros nunca se contentam em meramente destacar os atores, mas também buscam contar a história visualmente.
A escolha de manter os atores reais, participantes do RPA, funciona como a própria evidência do poder de reabilitação da arte e do projeto liderado por Divine G. Além de demonstrar o talento de todas as figuras que saíram de lá. A performance do Clarence Maclin é de longe a melhor do filme e uma das melhores do ano passado. É lindo ver o ator navegando a própria vida e recriando suas emoções, num projeto exatamente sobre o poder curativo da atuação. É até algo que traz problemas para Colman Domingo, já um ator veterano, que às vezes parece um pouco cheio de tiques e formalidades demais, além de perder a dinâmica genuína que a performance de Maclin carrega.

Revela muito sobre Sing Sing que, quando ele carrega seu realismo até as últimas consequências – flertando com esses elementos documentais, como os atores interpretarem a si mesmos – consegue trazer ideias fascinantes, mas quando se prende ao academicismo acaba engessando. É um trabalho que está em cárcere na própria estrutura narrativa. A dupla de roteiristas, Greg Kwedar e Clint Bentley, parece querer forçar o filme a cada um dos clichês de estrutura necessários para esse tipo de trabalho, fazendo todo o terceiro ato muito mecânico. Sendo uma pressão oposta à maior força do trabalho – quão genuínos seus pequenos momentos são para os atores. É um filme inspirado de muitas formas, mas que se limita ao jogar seguro.
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Cotação por Ossos:
6,0

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Ficha Técnica:
Título: Sing Sing
Direção: Greg Kwedar
Roteiro adaptado: Clint Bentley, Greg Kwedar
Baseado em: “The Sing Sing Follies” de John H. Richardson, contendo “Breakin’ The Mummy’s Code” de Brent Buell
E na história real de: Clarence “Divine Eye” Martin e John “Divine G” Whitfield
Elenco: Colman Domingo, Clarence Maclin, Sean San Jose, Mosi Eagle, Sean Dino Johnson
Trilha sonora de: Bryce Dressner
Fotografia de: Pat Scola
Montagem de: Parker Laramie
Cartaz e fotos do filme gentilmente cedidos por Diamond Films e Sinny Assessoria e Comunicação
