Crítica: Covil de Ladrões 2

“Covil de Ladrões 2” continua a borrar a linha entre policial e criminoso.

Raphael Lages

Há cineastas piores para estar correndo atrás do que o Michael Mann. Não é à toa que o discurso ao redor do longa de estreia de Christian Gudegast parecia se localizar inteiramente ao redor de comparações com “Fogo Contra Fogo” (Heat, 1995): O primeiro “Covil de Ladrões” (Den of Thieves, 2018) era, em tudo menos nome, um remake não oficial da obra-prima de Michael Mann. Reutilizando toda a estrutura e os personagens centrais do filme de 95, os detratores de “Covil de Ladrões” argumentavam que era uma versão emburrecida do aclamado drama estrelado por Al Pacino e Robert De Niro. Porém, acho que a força do filme de Gudegast vinha exatamente das formas como divergia do épico de Mann. Se Mann fazia um estudo reflexivo sobre masculinidade numa Los Angeles brilhosa e melancólica, o trabalho de Gudegast pulsa testosterona em ação explosiva, numa Los Angeles suada e frenética. “Covil de Ladrões” seria “Fogo Contra Fogo” se o diretor, ao invés de cultivar uma certa admiração por sua dupla de protagonistas, tivesse um total desprezo pelo que eles representam. Essa mudança de atitude quanto aos personagens, em específico ao policial, não é meramente um impulso iconoclasta como também é uma atualização contemporânea à forma como a década de 2010 enxerga essas figuras. Com movimentos como o Black Lives Matter e diversos outros casos de abuso de poder das forças policias sendo reportados, a diferença entre a admiração que Mann tem à Hanna (personagem de Al Pacino em Fogo Contra Fogo) e o nojo que Gudegast tem de Nick (personagem de Gerard Butler em “Covil de Ladrões”) é um sinal dos tempos.

Em “Covil de Ladrões”, acompanhamos policiais tão moralmente corruptos quanto suas contrapartes do outro lado da lei. Não bastasse os diversos momentos onde o personagem de Gerard Butler usa de seu distintivo como facilitador para cometer crimes, em uma sequência do filme de 2018, após prender Donnie (O’Shea Jackson Jr.) por suspeitar que roubou um banco, o Detetive Nick afirma: “Nós somos os vilões.” em mais uma das formas como Gudegast quer borrar as linhas entre policial e criminoso. O diretor dobra a aposta em “Covil de Ladrões 2”: Após ter sido superado por Donnie no final do primeiro filme, Nick decide se juntar aos ladrões e roubar o banco.

Gerard Butler as ‘Big Nick’ O’Brien and O’Shea Jackson Jr. as Donnie Wilson in Den of Thieves 2: Panthera. Photo Credit: Rico Torres.

A relação de Nick e Donnie é onde “Covil de Ladrões 2” explora melhor as inconsistências morais e ambiguidades de seus personagens. De certa forma, é uma história de amor. Esta que vai transformar Nick, policial que abre o filme casualmente ameaçando matar Holly (Meadow Williams retorna para a sequência em apenas uma cena), parece criar compaixão ao conviver com a nova família de ladrões. Desde o primeiro filme, era evidente que Nick se sentiria mais confortável do outro lado da lei, mas o que o filme revela é o quanto as contradições do personagem o transformavam no monstro que ele parecia ser – Nick era alguém que não conseguia viver com si mesmo e assim, revidava no mundo. Neste segundo filme, o nojo que Gudegast parecia sentir por Nick dá lugar a dó e, quem sabe, uma chance de algo a mais. O afeto começa a nascer a partir de como essas relações humanizam e reabilitam o Nick moralmente.

O filme está no seu melhor quando se interessa nas sensações do ambiente e na relação dos personagens centrais – costumeiramente faz os dois ao mesmo tempo. O diretor filma um buddy movie de roubo como uma viagem com amigos. Na melhor sequência do filme, vemos Nick precisando beber e usar drogas numa festa. O momento é contextualizado como um gesto para convencer os membros da equipe de criminosos que podem confiar no ex-policial, mas a potência da cena é ver os dois recém amigos se divertindo numa noitada em Nice. Gudegast alucina a câmera com o efeito ecstasy mas também se interessa muito em capturar esse tumulto de corpos nessa festa noturna praiana. O longa tem pouco compromisso com economia narrativa, no sentido de não buscar se abreviar para mover a trama central, se construindo em momentos de interação entre os protagonistas que fortalecem o drama do projeto.

Por outro lado, quando precisa lidar com as mecânicas do roubo em si, Gudegast é menos inspirado. Parece que não há uma proposta real de como filmar essas cenas dos personagens planejando e expondo detalhes que vão estabelecer a cena de ação que seguirá. São múltiplas sequências estabelecendo os espaços que serão saqueados, os diversos grupos envolvidos, as formas que os personagens planejam roubar o banco, entre outras coisas e o projeto parece adormecer tanto em forma quanto narrativa nesses momentos. O filme de 2 horas e 24 minutos se alonga e perde interesse exatamente quando busca ir direto ao ponto.

O realismo de “Covil de Ladrões 2” é uma faca de dois gumes nesse sentido. Basear todos os roubos em acontecimentos reais – inclusive o grupo, os Panteras, que inspiraram a sequência – é enfadonho quando quer falar sobre. Porém, quando quer mostrar de fato, costuma ser brilhante. A ação de Gudegast é de uma fisicalidade muito tátil, destacando a força e o equilíbrio para atravessar os prédios em um mastro, o suor nos rostos dos personagens é a tensão pingando visualmente. O diretor americano se interessa nos desafios do corpo durante a sequência, a exaustão e o peso que os personagens carregam sendo objetos de tensionamento. A escolha de manter a maior parte da grande sequência de roubo do filme em silêncio não só realça o sentimento realista como também define a intensidade do momento.

O’Shea Jackson Jr as Donnie Wilson in DEN OF THIEVES 2: PANTERA. Photo Credit: Rico Torres for Lionsgate

É curioso pensar que se o primeiro “Covil” se passava numa Los Angeles suada e ensolarada, com filtro amarelo e tudo, e parecia um filme muito visceral e vulgar; o segundo filme, subtitulado Pantera” originalmente, é muito classudo em forma. A fotografia se define em azuis estéreis muito precisos quando não busca uma fisicalidade mais concreta. Pode soar como um trabalho um pouco burocrático às vezes, mas compensa quando sabe entregar imagens com sensações fortes.

***

Cotação por ossos:

6,0

***

Ficha Técnica:

Filme: Covil de Ladrões 2

Título Original: Den of Thieves 2 – Pantera

Ano de Lançamento: 2025

Direção e roteiro: Christian Gudegast

Baseado em personagens de “Covil de Ladrões” escrito por: Christian Gudegast e Paul T. Scheuring

Edição: Roberth Nordh

Trilha Sonora: Kevin Matley

Fotografia: Terry Stacey

Elenco: Gerard Butler, O’Shea Jackson Jr., Evin Ahmad

Duração: 2 horas e 24 minutos

Classificação Etária: 16 anos

Países produtores: Canadá, Estados Unidos

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Fotos gentilmente cedidas por: Diamond Films, Sinny Assessoria e Comunicação, Espaço/Z

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