A grande saga da Terra-Média, criada por Tolkien, já colecionava fãs quando estava ainda nas páginas de “O Senhor dos Anéis“, “O Hobbit”, “Contos Inacabados”, “Os Filhos de Húrin” e o grande mitológico “O Silmarillion”. Entretanto, foi com a chegada da trilogia original dePeter Jacksonnos cinemas que o mundo inteiro passou a conhecer de fato quem era Frodo, Sam, Merry, Pippin, Aragorn, Legolas e Gimli, Sauron, o Um Anel; ou onde ficava o Condado ou Isengard, Rohan, Gondor e Mordor.
Nos últimos anos, estamos vendo a obra de Tolkien crescer ainda mais nas mídias, seja com a segunda trilogia feita por Jackson, expandindo a estória de “O Hobbit”, seja pelos jogos de videogame lançados ou pela série do Prime Video, “Os Anéis de Poder”. A Warner já anunciou que vai continuar expandindo essas estórias no cinema. Virá até um filme de Gollum!
Ora, pois que venha!
A esta altura, nada mais remará contra isso.
Parece que foi ontem. Lembro-me clara e perfeitamente. Sentado no chão do saguão do cinema, eu aguardava, ao lado de centenas de fãs bem mais velhos ou jovens do que eu, a abertura da sala na qual o primeiro filme de “O Hobbit” – “Uma Jornada Inesperada” – seria exibido. Era dezembro de 2012 – e eu ainda havia acabado de terminar o sexto ano do Fundamental. Estava doido para um evento marcante desses em mjnha vida, de todo jeito! – e, ao longo dos dois anos seguintes, o rico universo concebido pelo diretor, produtor e escritor Peter Jackson – e inicialmente criado por John Ronald Reuel Tolkien – se expandiria consideravelmente, apresentando-nos a uma galeria de personagens multifacetados que viveriam uma história/estória cada vez mais árdua, pesada e sombria até um desfecho catártico que amarrava com segurança todas as pontas da narrativa. A sensação era agridoce: por um lado, uma longa jornada havia se completado e tentar prolongá-la poderia torná-la frágil; por outro, era triste ter que abandonar aquele mundo da Terra-Média e seus habitantes.
Quase uma década após o final da magnífica trilogia“O Senhor dos Anéis”, o mestre Peter Jackson retornar à Terra-Média, em 2012 no começo da adaptação em três partes do livro que começou tudo em 1937, “O Hobbit”. Criado como um romance para crianças, a “jornada inesperada” de Bilbo Bolseiro, o pequeno hobbit que dá título ao livro e, aqui ao filme, aos poucos cresceu em seu autor, inspirandoTolkiena continuar escrevendo e desenvolvendo o mundo fantástico que havia inventado, inspirado por lendas celtas e mitos europeus.
Aproveitando o tom mais leve, infantojuvenil e inocente da obra, Jackson não se rendeu essencialmente a um excesso de sobriedade, mas estilizou bem para dar o encantamento necessário e toda leveza àquele mundo e deu ao longa “O Hobbit – Uma Jornada Inesperada“ (“The Hobbit: An Unexpected Journey”), o primeiro deles, doses extras de humor e aventura e, como já havia feito em “O Senhor dos Anéis”, toma suas liberdades criativas com o material original para engrandecer a narrativa.
Personagens do que chamaremos aqui de a “Trilogia do Anel”, que só foram criados anos depois da concepção de “O Hobbit”, são “convidados” a participar da aventura, bem como personagens citados apenas nos apêndices dos livros (parte do intrincado processo criativo de Tolkien). Jackson e sua equipe de roteiristas e consultoras -Fran Walsh e Philippa Boyens, também de “O Senhor dos Anéis”, retornam com a adição de Guillermo del Toro, que durante alguns anos ficou encarregado do filme -, assim, tornam a narrativa simples, inventiva e apressada do livro de 1937 em algo mais palatável para o grande público moderno, que precisa da estrutura segura de seus blockbusters comuns, de entretenimento mais objetivo da indústria da cultura.
Mas por que entrar em tais detalhes?
Afinal, este texto não é sobre “O Hobbit” de jeito nenhum.
Pois bem… chama-se “contexto”. Eis que em 2024, agora, Peter Jackson, agora como produtor, retorna, junto com a Warner e com a New Line Cinema e vem apadrinhar, lança este “A Guerra dos Rohirrim”. Bom, dá para dizer que este filme é até menos que um spin-off… de tão derivativo. É um mero apêndice, uma nota de rodapé no universo das obras cinematográficas com o selo Jackson.
E quem dera realmente Jackson fosse detentor patenteado dos direitos patrimoniais de adaptação e trabalho com o material de Tolkien e como único possível comandante, produtor na mídia audiovisual desse universo fantástico. Ele é praticamente o Rei Midas desse universo. Sabe o que está fazendo, de um jeito ou de outro. O que ele toca, mais do que vira ouro: reluz.
Bom, para falar do “elefante na sala”, a animação faz valer a pena o recorrer a essa técnica? Bem, como uma mistura de anime (afinal, é dirigido por Kenji Kamiyama) e com desenhos do Scooby-Doo (telefilmes ou filmes lançados diretos em home-video nos anos 1990 e início dos 2000), a animação, tecnicamente, explora pouco as possibilidades da Terra-Média e da forma artística, cinematograficamente falando.
Mas isso não compromete em nada, pois o filme entrega o que vem a prometer: uma história simples. Sim, uma história que já vemos e vimos ser contada milhares e centenas de milhares de vezes: vingança a qualquer custo e guerra. Por ódio, ressentimento, ganância por terras, trono, para humilhar e tiranizar outro povo e… sobretudo, no fim, tudo sobre vingança.
A narrativa do roteiro se passa mais de um século antes dos eventos da trilogia original, que começam em “A Sociedade do Anel”.
Como se diz no filme, há histórias que se tornaram lendas e, outras que, por fim, mitos.
Ela acompanha a vida de Helm Mão-de-Martelo (Brian Cox), o então rei de Rohan, detentor do trono de Edoras – Lar da Terra dos Senhores dos Cavalos – e sua filha, a princesa Héra (Gaia Wise) , que é a protagonista da estória.
Um ataque surpresa de Wulf (Luke Pasqualino), filho de Freca, um senhor Dunlendino/Terrapardense, implacável e em busca de vingança pela morte de seu pai há anos, força Helm e seu povo a fazerem uma última resistência ousada na em uma antiga fortaleza chamada Hornburg (Forte-da-Trombeta).
Gosto do contraste entre a grandiosidade que o filme se impõe e a simplicidade com que ele resolve as coisas. Se por um lado a consequência é gigantesca e a solução, espalhafatosa – por outro, tudo é resumido a quase um estalar de dedos, mais literalmente uma facada. É por meio de um gesto ridículo que a mitologia desses heróis supremos que tanto cantam ou deixam de cantar sobre suas narrativas se desmancha e consolida a vitória do povo de Rohan, novamente.
Héra não só é vitoriosa, como, agora, clemente (“vamos dar misericórdia a eles! Rohan já viu guerra o suficiente!”), mas era brava e habilidosa (“ela já sabia cavalgar antes mesmo de aprender a andar”).
A vantagem de possuir um imenso público fiel que curte essas histórias simplistas – tudo bem, os personagens não devem temer um artefato das trevas, como foi com o Um Anel e rumar para uma terra adoecida e sombria, com um vulcão, para salvar o mundo – é que o estúdio pode ampliar o orçamento, o marketing e acrescentar nomes ao elenco, aré explorar, como quiser, outras técnicas, como a animação, e simplesmente inserir, entre os estalares de dedos, artifícios que agradem a enxurrada de apaixonados – porque a arte mercadológica não desafia a audiência, a serve de bandeja.
Mas não é apenas fazer fanservice aqui e ali, como trazer Saruman, o Branco (Chriatopher Lee, o saudoso) mas é reconhecer que o passado desse universo no Cinema já forma em si um legado, e este filme, pela mágica dos acordos dos direitos autorais, como citei anteriormente – que Peter Jackson deveria ser patenteado – é o primeiro que pode pensar sobre isso.
Na medida em que a narrativa integra esses outros personagens que não haviam aparecido antes (só havia mera menção, como Helm ter seu nome batizado na velha fortaleza, o Abismo de Helm, como ficou conhecido pelo povo de Rohan), na medida em que vai piscando para cenas marcantes, colocando “pingos nos Is”, meditando sobre cada virada no roteiro, sobre cada vilão que existiu, e sobre o legado dos próprios filmes (“cantarão canções sobre você e sobre sua bravura!”) forma a consciência do legado do universo e dos personagens de Tolkien no Cinema. Consciência essa que vai além da sua própria marca-estúdio, mas que pensa em sobre como os filmes serão lembrados, o que é fundamental para a consolidação de um gênero cinematográfico.
O universo agora não é de uma marca, mas de um gênero: fantasia, mais do que nunca. É um portal que não se fecha em si mesmo, mas que está aberto ao passado de um tipo de Cinema. Resta saber se estará também aberto ao seu futuro. Porque assim como Thanos e como até a Warner já avisou, inevitável mesmo será o próximo filme.
