Crítica: Terrifier 3

Filme dirigido por Damien Leone chega aos cinemas

Luca Ramalho Rizzuti

Depois de assistir ao filme para escrever a presente crítica, fiquei  pensando no que eu poderia escrever que já não fosse escrito ou já tivesse sido escrito aos borbotões por milhares de pessoas – críticos e demais jornalistas e apreciadores – sobre o filme. Trago, antes de partirmos ao meu comentário propriamente dito, a título de exibição, alguns como exemplo:
Na revista Slant, Rocco T. Thompson diz que o filme transforma a época de Natal no palco de um festival de carnificina, aproveitando o maior orçamento em relação ao segundo Terrifier“Ele é o mais substancial dos três filmes até aqui”, diz o crítico.

No io9, Germain Lussier também elogia as qualidades do filme como um grande exercício passional. “No fim, a paixão do Leone por choques puros e sem filtros é o que está de fato em exibição”, diz o jornalista.“Por mais bagunçado que seja, e por mais ofendido que você pode ficar, é difícil não respeitar o trabalho. Terrifier 3 é um exercício gigante, intenso e sinistro de mania encharcada de sangue.”

Acumulando comentários como estes em seu arsenal de elogios e de “rasgações de seda”, Terrifier 3, com seu maior orçamento em relação aos antecessores, goza bem de sua lógica de excessos.

Antes de mais nada, fica o disclaimer, como adendo, que, desde que vi pela primeira vez, se fiquei fã da cinessérie “Aterrorizante”, do bom português, ou simplesmente “Terrifier” no original, foi pela articulação com uma linguagem assumidamente “meio que anti-mainstream”, digamos assim. Ora, há, sim, toda uma gama de referências ao cinema – aqui, neste há uma passagem em que os fãs do bom terror reconhecerão de que filme veio, envolvendo um chuveiro, uma vez que Damien Leone já assumiu publicamente ser muito fã de Psicose, de Alfred Hitchcock – e de tradições comuns do gênero que são expostas e exploradas, mas todas elas com ousadia e uma crueza picante muito singular dentro do estilo do cineasta. Ele não parece ceder em momento algum a meros caprichos e bobagens do tipo. 

Para entender a síntese que Damien Leone pretendia abarcar em Terrifier, seu terceiro longa-metragem como diretor e roteirista: apresentar uma história que se configurasse nos parâmetros do slasher. Longe de tratar o chamado Palhaço Art (David Howard Thornton num papel emblemático) como uma personificação, por que não, social de praxe no subgênero, ou pelo prisma do whodunnit, fica evidente que Art é o responsável pelos crimes hediondos cometidos durante uma noite de Halloween em Miles County (Condado Miles). Este se faz um gancho interessante trazido logo na abertura, ao introduzir o típico arquétipo da final-girl Vicky, como uma mulher extremamente desfigurada, traumatizada e que reproduz a violência sofrida numa espécie de demonstração de ódio e vingança na chocante sequência cheia de gore e exibições gráficas.

Sendo umas das figuras mais marcantes da filmografia de Leone, introduzido anteriormente em curtas-metragens, e no longa “All Hallows Eve”, “Aterrorizante” teve como maior apelo a caracterização de seu vilão, com uma sequência em 2022 que levou a aposta a níveis ainda mais extremos no gore e no festival de matança. Nisso, há uma concretização de fato prazerosa, tanto pela catarse do que acontece quanto pela preservação do sarcasmo delicioso do palhaço demoníaco até o último instante.

Contrariamente a alguns, já pelo que vi e li por aí, acho até válido considerar este o filme mais violento da franquia até agora. De fato, a contagem de corpos aqui é muito maior que nos dois filmes anteriores; o palhaço Art tem muito mais recursos à sua disposição, e algumas cenas são realmente bem perturbadoras e que são melhores de se assistir de barriga vazia para não correr o risco de passar mal caso sua sensibilidade não dê conta.
Os efeitos práticos e a maquiagem estão mais convincentes do que nunca, e o design de som é a cereja do bolo. No entanto, o maior defeito deste filme é desperdiçar esses recursos relevantes e marcantes da franquia em meros figurantes ou personagens para lá de secundários. Nos outros filmes, Art também matava vários personagens aleatórios “porque sim”, mas ele ainda perseguia os protagonistas. Neste filme, 90% das mortes são de pessoas que mal podem ser chamadas de personagens, gente sem personalidade e sem nenhuma importância para a trama. Literalmente aparecem só para morrer. Parece até que o filme está propondo um exercício de negação de valores. Como se o roteiro fosse mais uma mera desculpa para criar situações para mais do festival de carnificina que Art promove – desta vez, acompanhado da Vicky. No segundo filme, ele perseguia a família e os amigos da Sienna, mas isso só acontece aqui na última meia hora deste filme. E, ainda assim, deixaram algo muito importante (que é spoiler) fora da tela.

É até cômico dizer que o roteiro deste filme é vazio, porque os dos outros não são exatamente brilhantes (e tudo bem, também não é essa a proposta do filme, como comentei), mas ao menos nos dois primeiros há uma progressão clara e básica de eventos. Neste, a trama apenas anda em círculos e desperdiça o potencial dos personagens principais. No fim, é um filme com ótimas sequências de morte, mas como elas são tão irrelevantes, não causam nem metade da repulsa que deveriam. O fato de se passar no Natal também não mudou absolutamente nada. Porém, o que realmente me incomodou foi a falta de carisma de Art em comparação aos outros filmes, provavelmente porque ele divide muito tempo de tela com aquele demônio da Victoria Heyes e ela me causa uma agonia desgraçada.

Parece ser o caso, mas não é bem verdade que a franquia “Terrifier” são um produto audiovisual que deseja simplesmente chocar. Com toda certeza o repúdio gratuito faz parte do projeto não só de cinema, mas de vida do seu diretor.

Acredito que seu uso tenha sido fundamental na construção de defesas e críticas ferrenhas. Digo isso porque o modernismo criou essa condicionante da boa arte estar ligada ao valor do choque e do incômodo, tornando-se uma muleta narrativa. Se é preciso chocar para fazer boa arte, a disputa é de quem choca mais.
Entretanto, vale dizer que apesar de ser uma verdade essa condicionante histórica, isso não significa que o choque deva ser descartado enquanto potente ferramenta narrativa. Tudo é sobre o como e quando usar, mesmo que seja durante todo o filme. Não diria brilhante, mas Damien Leone é bem eficaz em tornar seu valor de choque preenchido pelo contexto, estilo e referências. Em suma, seu impacto não é inócuo e vazio, mas causado por uma forma preenchida por seu conteúdo.

Porém, este último longa, mesmo partindo de um explícito movimento de violência gráfica, logo se transforma em um peculiar exercício de negação de significados, de uma radicalidade em que corpo e matéria compartilham de uma mesma dimensão trivial.

Muito mais do que um mero provocadorzinho, Leone é definitivamente um homem do entretenimento. Seu cinema, que é tido, desde seu primeiro projeto, por muitos como radical tanto em seu formato como em seu conteúdo, pode até se fundamentar em uma busca pelo choque, mas, ainda assim, funciona, em última instância, como uma experiência de contato com o espectador. Uma tentativa de atração que lança mão de uma variedade de recursos.

Art surge aqui como mais que o assassino vestido de palhaço que se esgueirava pela noite em busca de vítimas solitárias nos filmes anteriores. Ainda que o roteiro não explique exatamente a natureza do personagem, se ele sempre teve um pé fora da realidade mundana ou se isso só passou a acontecer após retornar da morte, Art atua em Terrifier 3 como uma entidade imparável e quase onipresente, que vai passando pelos lugares criando caos e espalhando muita matança. Derrotá-lo passa a ser, talvez, impossível, mesmo que reste preservada a fisicalidade de seus atos de violência extrema, o que gera mais algumas sequências brutais e sangrentas, capazes de rivalizar com os momentos mais grotescos do primeiro Terrifier. É verdade que Leone chega a esboçar a criação de alguma mitologia em torno dessa figura macabra, mas os elementos apresentados nesse sentido não ganham real destaque e se inserem de maneira frouxa e desleixada no enredo. São, enfim, irrelevantes.

No fim das contas, é isso que interessa: criar oportunidades, não necessariamente bem articuladas entre si ou seguindo uma lógica espaço-temporal clara, para Art matar mais pessoas, se possível todas aquelas que aparecem na trama. Terrifier 3 obedece ao princípio do cinema de atrações, adaptado aos códigos do slasher.
Umas das coisas que mais me encantam em Terrifier é sua frontalidade. Essa característica tão essencial ao seu funcionamento atua em diversas frentes a formar o que é capaz de entregar não só como filme, mas como saga.
Um exemplo perfeito disso pode ser observado desde em certo ponto da narrativa no segundo filme, por exemplo, o vilão tortura atrozmente a jovem Ellie (Casey Hartnett) em seu quarto, até ser flagrado pela mãe dela; corta para crianças tocando a campainha da casa e sendo recebidas pelo palhaço, que lhes oferece doces diretamente da cabeça decepada da segunda mulher; logo em seguida, Art já vandalizou o carro de uma terceira personagem e aguarda escondido para atacá-la. Outro exemplo: a excelente sequência musical “The Clown Café”, em que a história é interrompida para o diretor se divertir na encenação onírica de uma espécie de programa infantil infernal.

Por fim, Art é em si uma atração, e das mais impactantes. A composição visual assustadora e o gestual expressivo de Thornton, trazido do universo da mímica, fazem do palhaço uma presença incômoda mas estranhamente hipnotizante, já que sua perversidade absoluta é atravessada por um irresistível e imensurável senso de diversão (do próprio personagem, claro, encarnação do puro mal, sádico e sem limites, do diretor e do público aficionado pelo gênero).
A natureza do Art é ambígua e está sempre envolta em uma noção sobrenatural indefinida (as companheiras bizarras, aliás, só contribuem para essa incerteza). As mortes funcionam como rituais de sacrifício em que, apesar da tendência prática e gráfica atestar essa objetividade da carne, nunca se sabe quando a pessoa de fato está morta.

E “Terrifier 3″ consegue ainda uma pequena proeza: ao mesmo tempo que reitera repetidamente ao longo de mais de duas horas os efeitos marcantes da existência de sua principal e apavorante criação, o que tende a intensificar na plateia o desejo por vê-la mais em ação, acabando por pouco se importar com as demais figuras presentes na narrativa.

Não há meandros cerebrais que muitos filmes de terror acabam adotando quase como cacoete – que suplica por atenção quase como construindo um quebra-cabeça de um intelectualismo barato – ao contrário, Terrifier, ao menos, traça uma linha reta. O objetivo é simples, direto e não há motivo para dele escapar.

É dessa frontalidade – essa simplicidade mais direta – que surge permissão por experimentar cada vez mais ao longo da saga, implicando numa melhora substancial filme após filme. O três é melhor que o dois, que é melhor que o um, que é melhor que o “All Hallows Eve”.

É um filme de terror que rejeita qualquer boa eficiência ou dinâmica mercadológica mais óbvia dentro de uma proposta subversiva muito bem equilibrada.

Por mais que haja certos procedimentos manjados, bem familiares de um terror padrão, principalmente na maneira em que o filme contextualiza a vida dos personagens, justifica alguns conflitos básicos e até caracteriza algumas ameaças, mas de resto é uma obra que faz questão de rejeitar ideias de um “bom roteiro” e se empenha em uma relação muito destrutiva e onírica com tudo.

“Terrifier” está focado em explorar possibilidades audiovisuais práticas e concretas a partir dessa sua tendência gore-mística, como diria o Arthur Tuoto, do que em aliar isso a uma ideia de filme vendável ou “espertão”. Não existe nenhuma surpresa ou tentativa de dialogar com qualquer tendência em voga. É praticamente o antiPânico da atualidade.

O apelo está centrado no exagero e no modo em que a protagonista lida com as dimensões que o filme apresenta para ela. Os aspectos do plot nunca são explorados como meros elementos de uma trama, mas sim como circunstâncias que geram essas dimensões a serem navegadas.

Toda essa proposta poderia, facilmente, ter se transformado em um simples fetiche vazio, mas o diretor preserva uma ingenuidade no seu olhar que nunca faz do filme uma viagem forçada. Os detalhes e possibilidades dessas dimensões que ele propõe passam a sensação de uma fascinação legítima por esses limites e por esses extremos das representações que constrói.
uma sensibilidade bem específica, já que flerta com o experimental na sua concepção narrativa e também nas suas ideias de integração entre o gore e o fantástico. Apelos que eu não sei até que ponto funcionarão fora desse nicho. De outra mão, em contrapartida, também acredito que essa narrativa de suspensão vá despertar um encanto característico em um espectador mais aberto, como eu. Espero que seja o seu caso.

Cotação por ossos:

8,0

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