Documentário revela detalhes da vida pessoal e da carreira do astro que definiu o cinema de super herói
Antônio Pedro de Souza
O que faz um filme ser um grande sucesso do cinema? Apenas um grande orçamento e efeitos tecnológicos de ponta? Isso não é garantia, visto que alguns dos mais recentes lançamentos tiveram tudo isso e fracassaram com o público e a crítica. Talvez seja a soma de talentos: um bom roteirista, bons atores – mesmo que o protagonista ainda seja desconhecido do grande público -, bom diretor e, claro, um personagem que tenha conquistado várias gerações em outras mídias.
Quando foi lançado em 1978, Superman – O Filme, era uma aposta gigantesca da Warner Bros. que poderia definir o futuro dos filmes de heróis a partir dali ou sepultá-lo por tempo indeterminado. Graças a esse alinhamento de raros talentos, prevaleceu a primeira opção.
Pra começar, o roteiro ficou a cargo de Mario Puzo, do lendário O Poderoso Chefão, baseado, claro, nos quadrinhos de Jerry Siegel e Joe Shuster. Aliás, é nesta empreitada que os dois são creditados pela primeira vez como os criadores de Superman, Lois Lane e cia., após uma longa disputa judicial e um acordo com a Warner Bros.
A direção ficou a cargo de Richard Donner, que já havia sido elogiado pelos efeitos criativos do terror A Profecia (1976). O que Donner precisava era fazer o público acreditar que o Superman voava de verdade! E ele conseguiu.
No elenco, nomes como Marlon Brando, Gene Hackman e o estreante Christopher Reeve, ao lado de Margot Kidder. O alinhamento deu certo e Superman passou a ser o padrão para filmes de super-heróis a partir daí.
Salto no tempo para 1995:
Christopher Reeve já havia aposentado o Superman dos cinemas – ele fizera quatro filmes como o herói – estava em seu segundo casamento, era pai de três filhos e trabalhara em outras produções cinematográficas, além de dedicar parte do seu tempo a esportes. Então, durante um campeonato de hipismo, Reeve sofre uma queda, descrita por um dos filhos como a “fratura no ponto exato. A mesma causada quando o calabouço se abre sob os pés do condenado por enforcamento. Um milímetro para a esquerda, ele teria morrido na hora. Um milímetro para a direita, ele teria tido uma queda vexatória, levantaria zonzo, e seguiria em frente. No ponto em que ocorreu: tetraplégico para o resto da vida!”
No mês em que se completam vinte anos da morte do ator Christopher Reeve, o documentário Super/Man: A História de Christopher Reeve se propõe a contar, por meio de depoimentos dos filhos do artista, amigos e imagens de arquivo, toda a trajetória de vida do homem que superou seus obstáculos inúmeras vezes, transformou-se numa lenda do cinema e criou uma fundação para auxiliar pessoas com paralisia.
O filme acontece em duas linhas do tempo distintas: os eventos pós-1995 e pós-1978. Assim, o espectador acompanha um pouco da tragédia que se abateu sobre a família Reeve e tem um alívio com as cenas da carreira do ator vivendo seu maior personagem.
As duas linhas, claro, seguem adiante, e temos imagens de toda a década 1980, bem como da década de 1990.
Somos apresentados às duas histórias de maneira intercalada. Tudo entremeado com os depoimentos de Matthew Reeve e Alexandra Reeve, filhos do ator com a modelo Gae Exton; e William Reeve, filho de Christopher com a atriz Dana Reeve.
O relacionamento do ator com a modelo Gae Exton durou grande parte da década de 1980, mas eles não oficializaram o casamento. Após o término amigável, Reeve se aproximou de Dana, ela engravidou e eles se casaram formalmente.
A relação familiar era agradável, segundo os próprios filhos e Gae, que diz num ponto do documentário:
“Meus filhos foram passar as férias na casa do pai e ele já estava com Dana. Seria o primeiro contato entre eles. Ela me escreveu uma carta dizendo que amou os meus filhos, mas não queria ser uma madrasta. Queria ser amiga deles.”
Se a dinâmica era amigável antes de 1995, após o acidente, a força familiar foi fundamental para o tratamento de Christopher Reeve. Dana passou a cuidar do marido e do filho de apenas 3 anos. Os filhos mais velhos sempre estavam presentes e Gae também apoiava.
Meses após o acidente, o astro fez sua primeira aparição pública: uma participação no Oscar de 1996, onde foi ovacionado pelos colegas de profissão.
Outros depoimentos marcantes no documentário são dos amigos Glen Cloose, que destaca a força dos Reeve para superar as adversidades; e Jeff Daniels, que relembra momentos difíceis, mas que a família soube suavizar. Tanto Glen, quanto Jeff, lembram também da força fundamental de Robin Williams, amigo íntimo de Reeve. Os atores começaram a carreira juntos e sempre se apoiaram nos altos e baixos da profissão. Imagens de arquivo mostram Robin conversando com Reeve após o acidente, presente em eventos como a formatura de Matthew, entre outros. Robin desenvolveu depressão, ansiedade e outras doenças ao longo do tempo e cometeu suicídio em 2014.
Também nas imagens de arquivo estão presentes as falas de Richard Donner, diretor de Superman (1978) e como ele via todo o processo de superação de Christopher após a tetraplegia.
Sobre os cuidados com Reeve, também extraídos do acervo familiar, estão os depoimentos de Dana. Sobre como ela reagiu a notícia de que o marido não poderia mais andar e os cuidados permanentes que deveria receber. E é do próprio Christopher, uma das falas mais emocionantes do documentário: retirado de um antigo vídeo, o ator fala que, ao saber do seu diagnóstico, desejou morrer; mas foi uma fala de Dana, que lhe prometeu ao pé do ouvido apoiá-lo em qualquer decisão e de que cuidaria dele e dos filhos com o maior zelo possível, que o fez reconsiderar a ideia de uma eutanásia.
Os três filhos lembram, também, que a relação com a família do pai ficou abalada, já que em alguns momentos os parentes paternos decidiram por desligar os aparelhos que mantinham Reeve vivo, mas encontraram a resistência de Dana, Matthew e Alexandra. Will tinha apenas três anos na ocasião do acidente.
Com o passar do tempo e a melhora progressiva do ator, as coisas foram se ajeitando e Reeve criou, então, uma fundação para angariar fundos para ajudar pessoas com paralisia e outras deficiências. Ele mesmo presidiu os trabalhos da fundação, ao lado de Dana e dos filhos mais velhos.
O ator também reinventou sua carreira: em 1998 estrelou a refilmagem de Janela Indiscreta, no papel que em 1954 pertencera a James Stewart. Fez uma participação na série de TV Smallville e também dirigiu o filme A História de Brooke Ellison, contando o drama real da personagem-título que fica paralisada após um atropelamento.
Em 2004, Reeve parecia estar com a saúde estabilizada. E é neste ponto do documentário que as duas linhas temporais narrativas se encontram: Aquela que acompanhamos desde 1978 e a outra, de 1995. Todos os eventos da vida do ator convergem para um dos últimos marcos do filme: Christopher faz progressos no tratamento, Matthew e Alexandra estão se formando, Will está no começo da adolescência e Dana aceita voltar a atuar. Ela faz um musical na Broadway, enquanto o marido e o filho ficam em casa. Porém, as complicações advindas da paralisia causam uma infecção que leva Christopher Reeve a uma internação de emergência. Ele morre no dia 10 de outubro daquele ano.
Passados os trâmites funerários, Dana, Matthew e Alexandra se unem em prol da Fundação Christopher Reeve e, em pouco mais de um ano, enquanto se preparava para homenagear o marido gravando uma canção, Dana percebe algo errado em sua voz, que soa rouca. Ela também se sente mais cansada que o habitual. Um exame médico traz o diagnóstico: Dana Reeve tem câncer de pulmão. Ela morre em 6 de março de 2006, deixando William com apenas 14 anos. O menino passa a ser cuidado pelos irmãos mais velhos e por Robin Willians. A fundação passa a se chamar Christopher e Dana Reeve e a ser cuidada pelos três irmãos que conseguiram, inclusive, a aprovação de uma lei por parte do então presidente dos EUA, Barack Obama, que garantia assistência a pessoas com deficiência.
Em suma, o documentário é bem construído, os depoimentos são fortes, a edição é precisa e nostálgica e os saltos temporais na narrativa são bem elaborados. A trilha original se mescla ao clássico tema de Superman, composto por John Williams e uma animação 3D mostra um homem (ou um ‘super-homem’) sendo tomado, aos poucos, por fragmentos de kryptonita em momentos decisivos do filme.
Todo o material de acervo da família Reeve é cuidadosamente escolhido, traçando um perfil grandioso do artista que fez o público acreditar que o homem poderia voar e, depois, mostrou ainda mais superação e força, quando a vida tentou lhe dar um duro golpe.
É um filme para os amantes de histórias reais, para os estudantes de medicina, para os jornalistas e estudantes de cinema e, claro, para os fãs nostálgicos do eterno Superman. Impossível sair da sala de cinema sem se emocionar.
Se o Superman é imortal, Christopher Reeve é eterno.
***
Cotação por ossos:
10

(Foto de capa gentilmente cedida por Warner Bros. Pictures)
FICHA TÉCNICA:
Título: Super/Man: A História de Christopher Reeve
Título Original: Super/Man: The Christopher Reeve Story
Direção: Ian Bonhôte
Peter Ettedgui
Ano: 2024
Países de Origem: EUA
Reino Unido
Irlanda do Norte
Duração: 106 minutos
Elenco (depoimentos): Matthew Reeve
Alexandra Reeve
William Reeve
Gae Exton
Glen Close
Jeff Daniels
Elenco (imagens de arquivo): Christopher Reeve
Dana Reeve
Robin Williams
Richard Donner
