Longa de Guto Parente retrata conflitos existenciais em meio à pandemia de COVID
Março de 2020. O Brasil mergulha nos horrores da COVID-19, até então restrita a outros países. Neste contexto, David desembarca em Fortaleza para exibir seu primeiro longa-metragem em um festival de cinema. Com o país se fechando e o caos se instaurando, David começa a vivenciar os problemas típicos do período da pandemia: o festival é cancelado, ele não pode voltar para Portugal, onde reside, e a pousada em que está hospedado fecha porque o dono ficou doente.

Sem ter para onde ir, David busca pelo pai, o qual não vê há anos. Apesar de encontrá-lo, a dinâmica entre eles não é nada fácil, o que colocará em xeque a sanidade de David, bem como seus objetivos a médio e longo prazos.
O filme de Guto Parente toca em pontos delicadíssimos que afetaram milhões de brasileiros entre os anos de 2020 e 2021. É uma produção densa, que dilacera a alma enquanto vai nos apresentando a história do cineasta David.

O personagem é carismático, envolvente, que desperta no espectador a curiosidade em saber mais sobre o seu passado, o seu trabalho e sua complexa relação com o pai. Aliás, o pai é outro personagem que tem um peso imenso na história. Cheio de nuances, é o personagem certo para a narrativa certa. O que ele pensa? O que sente? O que faz o dia todo? São incógnitas que nos deixam presos à tela durante toda a projeção. Impossível desgrudar os olhos ou pensar em outras coisas ao longo dos 83 minutos de filme.
Quem viveu a dor de perder um parente durante a COVID, como eu, certamente vai se reconhecer em tela. Impossível dissociar ficção e realidade enquanto as cenas se sucedem na tela. A cada novo avanço do roteiro, um novo ponto, ou melhor, uma nova dor, se apresenta. E uma nova possibilidade se abre.

Outro ponto que merece ser ressaltado é o “filme dentro do filme”, isto é, a produção feita por David: a colagem de imagens e sons nos leva a um ambiente que remete ao expressionismo alemão, mesclado ao surrealismo. Uma miscelânea de cenas excelentemente unidas que aparecem no momento certo do filme.
Ainda: uma rápida referência ao clássico “Alice no País das Maravilhas” que, ao final, explicará bastante do que se passou na mente de David em sua visita à casa do pai.
Em meio a tantos dramas, há certos alívios cômicos: o espectador deve se atentar à cena do iogurte, ao diálogo de David com os amigos na sequência inicial, à recepção que o pai (e posteriormente a vizinha) dá a David, etc. São ceninhas curtas e engraçadas que propiciam uma suavidade para a história que, por si só, é tensa.

O próprio cineasta disse que: “Eu gosto de misturar as coisas, o cinema narrativo com o experimental, o realismo com a fantasia, o humor com o espanto. A cada filme gosto de poder trabalhar com elementos diferentes, testando combinações improváveis e descobrindo novas possibilidades. Criar sem experimentar é reproduzir. A experimentação está no cerne da criação e é onde podemos assumir os riscos mais interessantes. Sem medo de errar. Ou buscando errar cada vez melhor. O fantástico é o que se encontra entre o maravilhoso e o extraordinário, é o lugar da dúvida, da hesitação, do mistério sem solução. A pergunta que gera uma nova pergunta, que gera uma nova pergunta.”

Ainda, o ator Lucas Limeira comparou seu personagem consigo mesmo: “‘Estranho Caminho’ é o meu segundo longa como protagonista. Foi um presente dar vida ao David, um personagem interessantíssimo, com o qual me identifiquei muito na questão da construção do relacionamento com o pai. Além disso, estar em cena ao lado de Carlos Francisco é ter uma aula de atuação, e de generosidade também. Tivemos uma conexão muito forte desde o primeiro ensaio, criamos um elo forte. Eu precisava estar bem confortável com o personagem e foi o que aconteceu do início ao fim”.

Carlos Francisco, que faz Geraldo, o pai de David, atuou nos elogiados e premiados Bacurau e Marte Um.
O filme foi rodado nos meses de junho e julho de 2021, ainda durante a pandemia de COVID-19, na cidade de Fortaleza, contando com diversos nomes cearenses na produção. Após finalizado, o longa-metragem trilhou o caminho de festivais ao longo do mundo, tendo sido aclamado e premiado Prêmios de Melhor Roteiro (Guto Parente) e Melhor Ator Coadjuvante para o ator mineiro Carlos Francisco no Festival do Rio, Prêmio de Melhor Filme da Mostra Autorias da 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes, além de ter sido o grande destaque brasileiro no Festival de Tribeca.
Estranho Caminho chega ao circuito comercial nesta quinta-feira, 1º de agosto.
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COTAÇÃO POR OSSOS:
10,0

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Confira o “Especial Estranho Caminho”:
Sinopse
Um jovem cineasta que visita sua cidade natal é surpreendido pelo rápido avanço de uma pandemia e precisa encontrar seu pai, com quem não fala há mais de dez anos. Depois do primeiro encontro, coisas estranhas começam a acontecer.
Ficha Técnica
Roteiro e Direção: Guto Parente
Elenco: Lucas Limeira, Carlos Francisco, Tarzia Firmino, Rita Cabaço, Renan Capivara, Ana Marlene, Fab Nardy, Noá Bonoba, Jennifer Joingley, Déo Cardoso, Larissa Goés, Mumutante, Solon Ribeiro, David Santos, Pedro Breculê, Gabriel de Sousa
Produção: Ticiana Augusto Lima
Direção de Fotografia: Linga Acácio
Direção de Arte: Taís Augusto
Som: Lucas Coelho
Montagem: Victor Costa Lopes, Guto Parente & Irmãs Augusto Lima
Figurino: Thaís de Campos
Preparação de Elenco: Noá Bonoba
Trilha Sonora: Uirá dos Reis e Fafa NascimentoMixagem: Paulo Gama
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Imagens gentilmente cedidas por Embaúba Filmes e Sinny Assessoria.
