Crítica: Back to Black

Longa funciona como um filme homenagem, mas desliza como biografia

Antônio Pedro de Souza

Back to Black, filme inspirado na vida de carreira de Amy Winehouse é uma boa homenagem à memória da cantora que faleceu em 2011, aos 27 anos. É emocionante, traz um pouco sobre a vida e obra dela e… só! Quando esbarramos na realidade de que a obra era para ser uma biografia, percebemos os deslizes narrativos.

Quando pensamos em uma biografia de celebridade, imaginamos algo como um primeiro ato focado na vida pessoal do artista, talvez a infância, juventude, e sua rotina antes da fama. O segundo ato, geralmente, mostra sua ascensão ao estrelato e, no terceiro, seu declínio e subida ao topo novamente, ou sua afirmação como estrela ou, ainda, em casos mais específicos, sua morte.

Back to Black, no entanto, não consegue focar em nenhuma linha narrativa, deixando o espectador frustrado: não há um aprofundamento na vida pessoal de Amy, não há um aprofundamento na carreira/sucesso da artista, não há um aprofundamento em seu vício e drama particular de querer largar as drogas. Ou seja: nada é aprofundado. O filme é uma miscelânea de boas ideais que, no entanto, não são ligadas em nenhum ponto. Fica tudo na superficialidade.

O longa começa com uma Amy jovem-adulta, traçando planos para o futuro e carreira musical. Há apenas dois relacionamentos profundos em sua vida – e esses, pelo menos, são mostrados com gosto no longa: sua avó, a quem chama carinhosamente de Nan, e Blake, de quem vamos falar mais tarde.

Amy já é relativamente conhecida no cenário musical londrino quando o filme começa, descartando, assim, aquele primeiro ato que mostraria uma vida particular antes da fama. Sua relação com a avó é amorosa e nos aquece. Já com o pai, é uma relação turbulenta, e com a mãe, apática. A mãe, aliás, serve como um recurso narrativo de quando o roteirista parecia estar sem novas ideias: a personagem aparece e desaparece da tela sem mais explicações. Ela está ali, mas não exerce nenhuma influência sobre a filha e seus passos rumo ao estrelato. Nem mesmo sua possível depressão, citada no começo do filme, é trabalhada durante os cerca de 120 minutos.

Inexiste, ainda, a relação com o irmão, apenas citado na cena de abertura e que nunca aparece ou se fala mais. Uma incógnita.

Um dos namorados de Amy, sujeito introspectivo e que serve como inspiração para uma de suas polêmicas canções, ao tomar consciência do fato a abandona, deixando-nos sem saber também de seu destino. E aí ela conhece Blake, com quem vive uma turbulenta relação, cheia de idas e vindas, amor e ódio, sexo e drogas.

Outro personagem importante é seu agente Nick, que a ajuda a chegar a uma grande gravadora. Falaremos mais dele adiante. Ao conhecê-lo, a carreira de Amy começa a tomar contornos mais sérios: gravação de CD, shows maiores, etc. E aí temos, mais uma vez, um momento pouco aproveitado/aprofundado: não vemos os shows de Amy. Não vemos seu sucesso de fato. Diferentemente de outros filmes sobre cantores, que mostram shows impactantes e turnês mundo afora, tudo o que temos aqui são diálogos em salas de reunião da gravadora dizendo: “Seu disco está em 13º lugar nas vendas em toda a Inglaterra.” “Sua música foi a mais tocada…”, mas esse fenômeno Amy não é mostrado na tela. Salvo uma rápida excursão por Nova York, onde ela grava um material e passa por alguns pontos turísticos, o longa parece não querer mostrar uma Amy já como artista consagrada, relegando-a, basicamente, a apresentações pequenas em pubs de Londres. Não que esses locais não sejam importantes, já que a própria Amy afirmava isso, mas seria interessante mostrá-la mais como a grande artista que foi, mesmo em pouco tempo de vida. Curioso é que, para uma Amy pouco mostrada no filme, a imprensa sempre estava em sua cola, e isso é mostrado a cada cinco minutos de projeção, outra delicada mostra de deslize narrativo.

A Amy verdadeira foi um mostro musical que atraiu olhares e ouvidos de todo o mundo, passou por diversos países – Brasil, inclusive – causou polêmica, mas mostrou seu vasto talento. Sua biografia, no entanto, é comedida em todos os aspectos.

Em relação a Nick, após vê-la se afundando no vício, o agente propõe uma internação em clínica de reabilitação, o que é recusado por ela e pelo pai. Nick, então, é dispensado e ela assina com outro agente. Lá no fim do filme, porém, Nick está presente quando ela é premiada com o Grammy. Em que momento ele voltou para sua vida? Não sabemos.

Blake é outro que some, depois volta e, no fim, a descarta, aumentando sua depressão.

Aliás, se o filme não se aprofundou em sua vida pré-fama e passou de fininho por sua carreira, outro ponto totalmente sem profundidade é o vício de Amy. Quando a história começa, a moça já tem uma relação de longa data com o cigarro e o álcool, mas recusa as chamadas “drogas pesadas”. Um dia, seu pai vê cigarros de maconha em sua casa – e ela diz que prefere os cigarros de maconha a “drogas pesadas”. Tais drogas são introduzidas por Blake, as quais ela esnoba no começo. Poucas cenas depois, ela já é uma viciada! É tudo muito rápido e sem detalhes. Depois que Nick sugere a internação e é demitido, Amy faz uns shows e… pede ao pai para interná-la. Poderíamos ter um excelente foco narrativo ali, mas a velocidade fala mais alto de novo e, após entrar por uma porta e ser vista em um jardim escrevendo, já temos Amy de volta aos palcos, recebendo o Grammy e cantando Rehab. Oi? Precisava ser tão rápido assim?

Enfim, ela ganha os prêmios, aparece conversando com o pai e… é isso! Para uma história pouco profunda, um final raso, cujas principais explicações sobre a cantora são dadas nos letreiros finais. Uma lástima. Fosse no auge da mídia física, poderíamos esperar o lançamento de um DVD duplo com dois cortes: a versão de cinema e a versão estendida, com várias cenas inéditas que explicariam melhor os furos deixados. Mas na era do streaming, estamos fadados a ver apenas esta versão fraca e sem nuances da vida da artista.

O final, porém, merece um crédito pelo tom poético: ela herdara um canário amarelo da avó, visto o tempo todo em uma gaiola. Na última cena, o canário está fora da gaiola, livre, tem comida e água. Ela olha para ele e sobe as escadas. A tela escurece e sabemos que ela foi encontrada morta aos 27 anos. A liberdade do canário serve como uma metáfora para a própria liberdade almejada por Amy, que somente a encontrou no fim da vida.

Poético, mas ainda assim raso. Como nenhuma das situações do filme foram totalmente aprofundadas, tudo soa vago demais. Marisa Abela, que interpreta a cantora nas telonas, consegue cumprir seu papel, entregando-se à personagem. O roteiro e, por consequência, a direção, é que são fracos em não conseguirem canalizar a força vital de Amy para o projeto. Poderia ter sido um filmaço, mas acaba sendo aquém dos talentos vistos em tela, do esperado pelos espectadores e do merecido pelos fãs de Winehouse.

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Cotação por Ossos: 5,0

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