Crítica: O Jogo da Morte erra ao levar uma trama da internet para as telonas (e manter a linguagem da web na projeção)

Filme segue o mesmo caminho errado de “Slender Man”, além de investir em um novo estilo de found-footage

Antônio Pedro de Souza

A produção “O Jogo da Morte” tinha tudo para ser um excelente filme de terror, mas se perde em vários detalhes, tornando-se mais uma produção enfadonha que, coincidentemente, é lançada no Brasil pela Paris Filmes (que já trouxe o equivocado “Masha e o Urso” recentemente. Leia a crítica aqui).

Bem, vamos ao contexto histórico do longa-metragem: O filme (lançado originalmente em 2022, conforme informações dos créditos finais) aborda uma nova leva de jogadores do “Baleia Azul”, jogo sádico que surgiu na Rússia na metade da década de 2010 e, em seguida, se espalhou por diversas partes do mundo, incluindo o Brasil. Na vida real, os participantes precisavam cumprir uma série de desafios perigosos, sendo que o último era cometer suicídio. Ou seja: mesmo que “vencesse” o jogo e chegasse ao fim, a vítima perderia. A popularização da “Baleia Azul” acendeu o alerta de pais e autoridades ao redor do mundo, já que as vítimas eram, em geral, adolescentes. Diversas campanhas foram feitas em prol de famílias e vítimas buscarem ajuda profissional, como psicólogos e psiquiatras.

Voltando ao filme, acompanhamos na trama a personagem Dana, cuja irmã Júlia morreu exatamente cumprindo um dos desafios do jogo. Ela passa a investigar os administradores e resolve participar de uma nova “equipe” de jogadores/vítimas, a fim de desmascarar os criminosos que incitam os jovens ao suicídio.

Dana tem o apoio da amiga Vick, embora a jovem desaconselhe Dana a fazer parte das tarefas. A moça também conta com o apoio da polícia, que investiga uma série de mortes juvenis. Dana, porém, oculta da polícia a parte de que ela mesma está envolvida com os jogos.

Entre os membros das novas vítimas, Max desperta o interessa de Dana. Os dois começam a flertar e a trocar as informações descobertas sobre os administradores do jogo.

Bem, essas são todas as informações preliminares de que você precisa saber sobre o filme e que, convenhamos, seriam elementos essenciais para uma excelente produção de terror. Mas, por que então, ele falha miseravelmente em sua missão? Vamos tentar explicar isso a seguir.

Pra começar, o estilo found footage do filme. Este é um conceito amplamente utilizado no cinema, quando se quer passar uma “veracidade” a mais nas cenas, ou ambientar o filme em um contexto de pseudo-documentário. E dá muito certo quando a história é boa o suficiente para prender o espectador. Além disso, claro, é preciso saber que, ao utilizar este método, algumas opções cinematográficas precisam ser deixadas de lado, caso contrário, o filme se torna uma confusão sem sentido.

Filmes que utilizaram muito bem o efeito found footage foram A Bruxa de Blair (1999), Rec (2007) e Atividade Paranormal (2007). Eles conseguiram trazer o realismo que este tipo de filme pede, sem abrir mão de um bom roteiro de ficção.

Outro que não teve a mesma sorte foi Projeto Dinossauro (2012) que, convenhamos, teria sido muito mais eficiente se houvesse sido filmado no modo convencional.

Enfim, o erro aqui, além de usar o found footage, foi usá-lo de um novo modo. Claro que isso foi pensado em prol da nova geração de consumidores cinematográficos, mais habituados à linguagem da internet, mas o estilo de filmagem – totalmente pautado por telas de computador e celular – forçam a barra ao extremo, fazendo dos 94 minutos de projeção uma enfadonha experiência.

Ao usar este estilo de filmagem, o filme se aproxima muito da produção brasileira A Garota Invisível (2020), também fraco e chato.

Mas vamos tentar entender a história de O Jogo da Morte: Depois de se “alistar” no jogo, Dana começa a fazer os desafios, inicialmente, “fáceis”: escrever algumas besteiras, desenhar seus medos, etc. À medida que os desafios se sucedem, como era de se esperar, a dificuldade aumenta: dizer publicamente o nome de quem você odeia, expor alguns medos (o que consiste em a protagonista sair nua pelos corredores da escola), atravessar uma rodovia movimentada, equilibrar-se no alto de um prédio…

Se, para cada desafio, o jogador (no caso do filme, a jogadora) deve filmar e fotografar sua performance, a escolha do found footage parece acertada, já que estamos acompanhando em “tempo real” a vida dos personagens. O efeito, porém, perde o sentido quando o filme foca em outros pontos do dia a dia dos protagonistas, já que, a todo o momento, temos uma webcam ou um celular gravando todas as ações: de um simples beijo de namorados a uma discussão ferrenha entre mãe e filha, tudo é filmado! Faria mais sentido ambientar a história num reality show, estilo Big Brother, do que num game mortal da internet.

Aliás, a tentativa de trazer uma “lenda urbana” das redes para as telonas não é nova: em 2018, o filme Slender Man: Pesadelo Sem Rosto, também trouxe uma história saída do submundo da internet para o cinema. E o resultado só não foi mais desastroso do que O Jogo da Morte, porque a produção não usou o found footage

Além de termos uma câmera gravando todos os momentos dos protagonistas – quem os estaria assistindo 24 horas por dia? Os assassinos não têm mais nada para fazer? – uma tela de computador mostra a “passagem de tempo” com um calendário virtual. Um recurso bobinho e que só serve para ressaltar que o filme faria mais sentido se filmado no modo convencional, reservando as imagens de celular e webcam apenas para as cenas dos desafios. Esse tipo de filmagem mista poderia ter resultado num fôlego diferente para o longa, tal qual aconteceu com Halloween: Ressurreição (2002).

Lá pelas tantas, o filme ainda envereda por uma subtrama de abusos físico e sexual que, infelizmente, não é bem desenvolvida e acaba sem conclusão. A esta altura, aliás, temos um amontoado de cenas sem sentido: a protagonista desiste de enviar as informações coletadas ao longo dos desafios para a polícia; as autoridades parecem não estar mais investigando nada; e uma busca incessante pelos administradores do jogo, a fim de revelar quantos e quais são, serve apenas para preencher tempo de tela. É neste ponto que temos o começo da trama de abuso. E também o seu meio e fim inconclusos.

Mais algumas cenas depois, que envolvem um “desafio de traição”, chegamos ao clímax do filme (se é que podemos chamar este momento de clímax): Dana e Max se encontram cara a cara com morte. A moça, desesperada, consegue enganar a administradora conhecida apenas por “Ada Morte” e parte para um confronto direto. Uma grande reviravolta acontece e, mais uma vez, enquanto corre e se esconde da assassina, Mada continua filmando com seu celular (!!!). Sério: por que a criatura continua com a câmera ligada, transmitindo virtualmente para várias pessoas, se o intuito dela é se esconder da Ada? Ela nem sabe quem são os administradores do jogo, alguém poderia estar infiltrado entre os espectadores… Ela não pensou nisso?

Depois de um sumiço de Ada, temos um pequeno vislumbre de que tudo vai acabar bem. A realidade é que, neste momento, a gente só quer que o filme acabe mesmo, porque não dá pra engolir tanta besteira em uma hora e meia. E, assim, numa reviravolta típica dos grandes clássicos de suspense, descobrimos a identidade de Ada, sua ligação com os outros administradores e, claro, sua derrocada. Emocionada, Dana se reconcilia com sua mãe, AINDA FILMANDO TUDO PELO CELULAR. Os créditos começam a subir e as atrizes que interpretam Dana, sua mãe e Vick voltam ao vídeo, dizendo que se você estiver passando por dificuldades psicológicas, deve procurar ajuda. E que sua vida vale muito. Uma ótima mensagem final, para um filme que falha em trazer qualquer mensagem ao longo da projeção.

Em suma, O Jogo da Morte é forçado, seja em seu estilo de filmagem, seja em seu roteiro que tenta buscar inspiração em casos reais e que afligiram pais preocupados com o mal uso da internet por seus filhos. Ele falha exatamente por não conseguir levar adiante nenhuma de suas premissas. Como já dito, o found footage é falho exatamente por abusar em cenas em que não caberia seu uso. Talvez, repito, a tentativa era a de se aproximar dos jovens, acostumados com reels, storys e outros formatos de vídeo para a web. Mas mesmo este público vai notar que o recurso aqui não foi bem utilizado.

Em segundo plano, trazer à baila o jogo da “Baleia Azul”, já adormecido nos porões da deep web, pode deixar o filme datado (mas lembre-se de que o longa foi lançado na Rússia em 2022). Ele até poderia usar essa premissa no roteiro, mas trazendo uma contextualização diferente, de modo a engajar seus espectadores. Já que opta pela linguagem do falso documentário, poderia explicar em seus créditos iniciais o que foi o “Baleia Azul” (isso só é pincelado) e, em seguida, criar uma nova perspectiva, dizendo que novos jovens resolveram participar dos desafios. Não é o que acontece. Outra direção que poderia ter sido tomada, era a de ambientar o filme exatamente no período de auge do jogo: meados da década de 2010. Funcionaria como um “filme histórico” que se passaria cerca de dez anos atrás. Também não foi usado desta forma.

Assim, o longa é apenas um amontoado de cenas sem sentido, com filmagens toscas por webcams e câmeras de celular para, no fim, entregar ao público um filme fraco e esquecível.

Precisamos, no entanto, ressaltar dois momentos verdadeiramente bons na tela: Bem no começo, enquanto Dana se lembra da sua irmã e começa a investigar o jogo, somos brindados com um vídeo sinistro à la O Chamado – inclusive com as falhas do VHS nas extremidades da tela. Esse compilado de imagens é maravilhoso. O segundo momento, mais íntimo, mostra Dana e Max numa sequência de flerte virtual, em que o casal tira a roupa um para o outro. Não há nada explícito, mas esse tom de erotismo dá uma suavizada na bagunça que é o filme. Enfim, são dois ótimos momentos em um filme ruim pra caramba.

***

Cotação por Ossos:

2,0

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