Filme aborda um dos momentos mais delicados e polêmicos do século XX
Imagine um plano tão grandioso quanto mirabolante, capaz de mudar para sempre os rumos da humanidade, inserindo uma dose a mais de medo nos meros mortais. Imagine alguém escrevendo e filmando isso como uma obra de ficção científica. Agora imagine que tudo é real. Assustadoramente real. Bem-vindo à trama de Oppenheimer.
Christopher Nolan (Trilogia Batman: Cavaleiro das Trevas) explora em seu novo filme a intrincada concepção e execução do plano que pôs fim à Segunda Guerra Mundial, mas em contrapartida fez o mundo vivenciar o pesadelo de uma catástrofe nuclear e impulsionou a Guerra Fria.
O filme versa sobre a vida e carreira do físico J. Robert Oppenheimer, que coordenou o projeto de criação das bombas que foram lançadas sobre Hiroshima e Nakazaki, no Japão, em 06 e 09 de agosto de 1945, respectivamente.
Narrado de maneira não-linear, o longa intercala cenas da juventude de Oppie (como é chamado pelos amigos) na faculdade, cenas do Projeto Manhattan e dos desdobramentos políticos e éticos que vieram pós-explosão.
A vida do físico é esmiuçada na fase de “julgamento”, dando ao espectador um retrato do lado mais humano do protagonista – inclusive suas relações extraconjugais. Há diversas nuances sobre como os rumos da Segunda Guerra ditaram os destinos dos personagens centrais e como eles, por sua vez, alteraram a história humana.
Vale ressaltar a cena em que são escolhidas as cidades que sofreriam os ataques – e os motivos que levaram Kyoto a ser poupada das bombas. Também deve-se prestar atenção na explicação técnica sobre as diferenças entre as duas bombas – e como ambas foram concebidas, bem como o projeto para a criação da “bomba H” ou “super bomba”. Enfim, são projetos científicos que passam a ser explicados de maneira didática, mas não pedante, durante as quase três horas de filme.
Outra cena que vale a pena ser destacada é a que mostra um diálogo entre Robert Oppenheimer e Albert Einstein. Uma conversa profunda sobre os problemas futuros que surgiriam devido às explosões.
Ainda, um momento onírico do protagonista (ou de sua esposa?) durante a audiência que visa revogar suas credenciais como físico: ao lembrar de sua amante, Oppie se imagina fazendo sexo com ela na frente de todos. Uma cena muito bem construída.
Impressiona também a forma como Nolan conduz o som do filme – tanto a trilha musical, que casa com as cenas, quanto os ruídos, sons mecânicos e efeitos que ajudam o espectador a imergir na atmosfera da obra. Um alento para os olhos e ouvidos é o momento de teste da explosão. Como casa bem a imagem e o som nesta cena.
Merece destaque as atuações de Emilly Blunt (Katherine Oppenheimer), Robert Downey Jr. (Lewis Strauss), Matt Damon (General Leslie Groves Jr.), além do próprio Cillian Murphy (Oppenheimer). A sincronia dos atores está perfeita e todos defendem muito bem seus papéis.
Em relação ao enredo, “Oppenheimer” mostra as diversas camadas do que seria ética e de como ela pode ser alterada de acordo com convicções de cada grupo. A cada passo dado na direção de um “caminho torto”, os personagens justificam seus atos apontando falhas do grupo inimigo. “Precisamos mesmo montar a bomba? Hitler já está morto…” “Mas os japoneses não se renderam ainda.” “A bomba vai matar mais inocentes que soldados…” “Mas os japoneses atacaram Pearl Harbor.” São alguns dos diálogos ouvidos durante a projeção…
Num dos pontos altos do filme, é justificada a escolha pela detonação das bombas, alegando que a União Soviética só precisaria de mais um tempo para alcançar a mesma tecnologia que os Estados Unidos, ou seja: a detonação de uma arma atômica era apenas uma questão de tempo e, quem conseguisse primeiro, sairia na frente na corrida armamentista.
Por fim, o dilema final é apresentado: as bombas puseram, de fato, um fim à Segunda Guerra, mas iniciaram a chamada Guerra Fria e o medo perturbador de um desencadeamento de armas nucleares e possíveis novas guerras. Mais uma vez, o uso dos artefatos é defendido visando salvar o mundo de uma “ameaça comunista” (já vimos esta história, sabemos que vai dar…)
Enfim, “Oppenheimer” é um filme com viés histórico, político e cujo diretor não resolve tomar explicitamente um partido pró ou anti-guerra. Ele opta por mostrar os dois lados da moeda e deixar que o espectador faça sua defesa. É uma escolha audaciosa, mas muito interessante. Há, claro, ação, como em toda obra do diretor Christopher Nolan, mas o foco aqui não são homens fortões com cara de mau dando tiros a esmo ou promovendo perseguições de carro. A intencionalidade é se aprofundar no lado mais humano – ainda que obscuro – que todos nós, heróis ou vilões da vida real, temos…
***
COTAÇÃO POR OSSOS:

10 OSSOS
***
Foto: Cillian Murphy em cena de “Oppenheimer” – Divulgação: Universal Pictures
